De maneira inquestionável ali se constata abandono, invasão e deterioração, desfigurando imagens e representações ainda presentes n...

''Por favor, salvem a balaustrada das Trincheiras''

historia paraiba joao pessoa centro historico adina mera
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De maneira inquestionável ali se constata abandono, invasão e deterioração, desfigurando imagens e representações ainda presentes no imaginário de quem a conheceu de perto, em tempos não tão distantes.

Refiro-me a uma dada balaustrada que em tempos passados tinha o condão de mostrar a quem a visitava, ou por lá transitava, a beleza singela que transmitia e a oportunidade de admiração de certo verde infindo, proporcionado pela vastidão da várzea canavieira e franjas de matas ainda compactas que ocupavam terras do Baixo Paraíba que desse local se podiam avistar.

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Ao transitar por uma das mais antigas ruas da cidade, a Trincheiras, o caminhante de hoje, em geral, não se apercebe de que numa das laterais dessa importante artéria que liga o Centro Histórico ao bairro do Jaguaribe e outros, situada logo depois de dois característicos blocos de casas geminadas, de fachadas levemente decoradas, encontra-se, de forma mal conservada e pouco visível, apesar de sua longa extensão, um simbólico exemplar da arquitetura de embelezamento da cidade, popularizado como Balaustrada das Trincheiras.

Na verdade, em dado momento de nossa história urbana, o que poderia ter sido apenas uma tosca muralha de contenção da erosão, em área de risco ambiental, foi transformado pela visão e criatividade de alguém, há mais de 100 anos, em espaço de uso público e marco que se tornou singular na paisagem da capital, mas que, lamentavelmente,
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encontra-se hoje reduzido a item com dificuldades em ser alcançado pelo radar das percepções culturais, e pelos critérios e instrumentos que regem as governanças públicas e seus restritivos orçamentos.

Empregando tão somente materiais comuns da construção civil, construiu-se, a partir de projeto minimamente sofisticado e de engenharia simples, uma balaustrada de pouco mais de 300 metros, erguida sobre alicerces sólidos, margeando o alto da encosta.

Esta obra resultou em eficiente medida de proteção ambiental e de segurança de pessoas que logo passaria a chamar a atenção da população e de transeuntes que por lá circulavam. O passo seguinte foi transformar-se em atração, por causa dos elementos conceituais utilizados na composição do seu projeto arquitetônico e em razão do desenho florido dos balaustres que a compõem, e em local para a admiração de cenários diversos, descortinadas que ficaram as vastas terras, abaixo e à frente, formadas pelos verdes da Ilha do Bispo, da cidade de Santa Rita e de porções da Várzea Paraibana, até onde a vista alcançava.

Por certo, a balaustrada teve mais visibilidade e foi mais admirada no período em que nas Trincheiras pontificaram os nostálgicos bondes a tração animal e quando as áreas, à sua frente e abaixo, ainda eram pouco ocupadas por casas dispersas, vilas, conjuntos residenciais, instalações fabris e outros.

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Balaustrada é termo que nem todos conhecem. Assim, na atualidade, alguém haverá que se indague: o que é mesmo balaustrada? Que importância tem ou teve este singular monumento para a cidade e quem se interessa por ele? Seriam da realidade ou da fantasia os olhares, de ontem e de hoje, a ela dispensados? Por que este texto recebeu o título acima? Quem ou o que o inspirou?

Com base na oralidade e em alguns poucos registros encontrados, iremos construindo respostas. Creio que alguma documentação administrativa específica deva existir nos arquivos públicos oficiais, referente a relatórios administrativos, financeiros e projeto técnico, aos quais ainda não tive acesso, pois são coisas de mais de 100 anos, sempre difíceis de ser encontradas.

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O governador Francisco Camilo de Holanda foi o idealizador da balaustrada em 1918. Em 1947, o prefeito da cidade, Oswaldo Pessoa Cavalcante de Albuquerque, o homenageou, inaugurando ali um busto sobre pedestal, este, uma obra do artista pernambucano Bibiano Silva.

Com esta intervenção, a balaustrada ficou dividida em duas partes, por pequena praça, e o local daí em diante, se tornaria interessante para visitação. A coluna e o busto passaram a compor o novo décor da praça, o que conferiu a ela o papel também de belvedere. Atualmente, bastante deteriorados, praça e pedestal seguem de pé, maltratados, mas resistindo. No entanto, o busto lá inaugurado pelo prefeito, em homenagem ao governante que a idealizou, se desconhece o que, de fato, ocorreu com ele e onde foi parar. Ante os fatos, sem embargo, até cabe especular-se
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Busto de Camilo de Holanda (1862—1946), esculpido pelo artista plástico Bibiano Silva (1889—1969)Acervo da Família B. Silva
se esta balaustrada em si, construída por um dos grandes modernizadores da capital que foi Francisco Camilo de Holanda, não seria um ente fadado ao abandono?

Em oposição a isso, não seria hora para uma intervenção com vistas à preservação deste singelo símbolo do patrimônio arquitetônico e cultural da cidade, notadamente, no momento em que se procede a importante, arrojada, extensa e necessária obra de urbanização, envolvendo contenção da base encosta, drenagem, saneamento, abertura e pavimentação de vias de circulação e rede de iluminação pública, ao longo da base do talude, no bairro Saturnino de Brito / Ilha do Bispo?

Construída há mais de 100 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba-Iphaep, órgão que tem como um de seus papéis a preservação do nosso acervo patrimonial, a registra sob a denominação Balaustrada João da Mata, entendo que por sua quase total localização já na Avenida da João da Mata, que é um prolongamento da Rua Trincheiras.

Nota-se certo alheamento da população com relação à balaustrada. Mesmo entre pessoas da cidade, poucos a veem ou a conhecem. Este alheamento se reforça, quem sabe, em razão da correria da vida contemporânea, do intenso fluxo e velocidade dos veículos que por ali transitam, e pela falta de cuidados de conservação e segurança a que tem sido relegada ao correr do tempo. Muitos até parecem ignorá-la, mal notando sua presença naquela paisagem, ou jamais parando para apreciá-la, curtir um por do sol,
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ou simplesmente constatar o que ainda resta de sua beleza hoje em desbotamento.

Edificada com a finalidade de conter a erosão da encosta íngreme que punha em risco tanto áreas da Ilha do Bispo, como da própria Rua Trincheiras, e para a proteção de transeuntes, as obras dessa balaustrada, por seu projeto arquitetônico singular, e pelo papel que passou a desempenhar, logo foi vista como solução eficaz de saneamento, drenagem de águas pluviais e como peça de embelezamento daquele setor da cidade, além de se constituir em interessante belvedere para a admiração da vasta planície verde e de parte do planalto que se descortinam à sua frente, comandados pela bacia hidrográfica do Rio Paraíba e seus principais afluentes, e onde desde o período colonial português predominam o que a geografia agrária define como plantations (de cana de açúcar, no caso).

Quando a balaustrada foi construída, no governo de Camilo de Holanda (1916-1920), viviam-se os eflúvios das chamadas ressonâncias do período de reformas urbanas de caráter sanitarista, projetadas por Saturnino de Brito para diversas cidades do país, entre elas, Rio de Janeiro, Santos, Vitória do Espírito Santo e João Pessoa.

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Rua das Trincheiras, Parahyba do Norte, em 1920 ▪ Fonte: Jampa das Antigas
Recentemente, em passagem rápida pela área da balaustrada, pude constatar in loco o estado de abandono em que se encontra este bem do patrimônio público, de estilo neoclássico e de indiscutível valor cultural, material e imaterial que se ignora, se desconhece e se relega. E deplorei, e falei mal, e me lembrei de um alerta feito, quase 50 atrás, pela arquiteta, urbanista e paisagista de nomeada, Adina Mera, minha ex-professora.

É de Adina Mera (In Memoriam) o sonoro apelo que dá título a este texto. Minha aproximação com esta renomada profissional se deu por ocasião de Curso de Pós-Graduação, em nível de mestrado, denominado Metodologia e Projetos de Desenvolvimento Municipal e Urbano, feito na Escola Nacional de Serviços Urbanos, no Rio de Janeiro, em 1974/1975.
Acervo IBAM
Este curso a tinha como um de seus criadores, coordenadora e professora e se configurava como instrumento de ação efetiva do Ministério do Planejamento e da Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM, para o financiamento e a formação de urbanistas e planejadores para a prática profissional nos municípios brasileiros.

Anos se passaram e jamais esqueci o contundente alerta feito no já distante ano de 1977. Após exaustiva visita a todos os recantos do Centro Histórico de João Pessoa, e já sob o aconchego do pequeno alpendre da minha casa, no bairro Expedicionários, Adina Mera, à nordestina e impressionada com o que viu no périplo que fizemos pela cidade de João Pessoa, fez tal alerta já espreguiçada na rede cearense de cochilar que, carinhosamente, a professora Wanderly Siebra lhe estendera.

Até hoje, em meus ouvidos reverberam os termos do tal apelo: por favor, salvem a Balaustrada das Trincheiras.

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Rio de Janeiro, 1970s ▪ Adina Mera com alunos do Curso Especial de Metodologia do Urbanismo e da Administração MunicipalAcervo IBAM
Adina Mera, ou simplesmente Adina, como se autonomeou, por e para toda a vida, e como tal gostava de ser chamada, era uma irrequieta espanhola argentina brasileira e ela própria dava explicações sobre esta tão alargada e não oficial cidadania.

– “Nasci em Espanha e ainda criança de colo meus pais migraram para a Argentina. Já adulta, e com formação superior concluída, por força de uma asma brônquica e de condições de clima não favoráveis na Argentina, fui aconselhada a migrar para o Brasil à busca de cura. A cura veio, mas resolvi permanecer no Brasil para sempre”, afirmava ela, com visível satisfação.

A minha aproximação com a dileta Mestra foi enriquecedora e frutífera. Neste contexto, desempenhando funções de planejamento no reitorado do Professor Lynaldo Cavalcanti, propus a formulação de um projeto interdisciplinar que,
congregando profissionais de diferentes áreas, atuasse em proveito do apoio ao planejamento em Prefeituras do Estado e, para tanto, agi para que Adina Mera fosse mentora de tal empreitada.

O modelo de projeto inovador que Lynaldo Cavalcanti conduzia à frente da Universidade Federal da Paraíba-UFPB buscava fortalecer cada um dos elementos do tripé ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, minha sugestão foi a de que propostas que viessem a surgir ficassem ao abrigo dessa ideia e fossem absorvidas como atividades de extensão, com a capacidade de agregar valores e mudar realidades nas prefeituras, a grande maioria delas, carente de apoio técnico e planejamento, mesmo que para a execução das mais simples obras físicas.

Por convite do Reitor, a Professora Adina Mera veio a João Pessoa, para discussões em torno do estado da arte das questões pertinentes ao projeto que estava nascendo e para as tratativas financeiras de praxe. Depois de alguns meses, por razões financeiras, a ideia não se concretizou.

Anos antes, Adina Mera trabalhara em projetos urbanos desenvolvidos no Recife. Nesse tempo visitou João Pessoa por diversas vezes e conheceu bem a cidade. Nessas vindas, a Balaustrada das Trincheiras, o prédio Paraíba Palace e testemunhos das ressonâncias relativas às intervenções urbanas do sanitarista Saturnino de Brito eram itens que mais a atraiam e impressionavam.

Balaustrada da Rua das Trincheiras, Parahyba do Norte, no pôr do Sol
Desta forma, para Adina Mera vir do Rio de Janeiro, para aqui desenvolver projeto desta natureza e da envergadura que se propunha, envolvendo Universidade / Estado e Prefeituras, como se cogitava, muito a agradou.

Por fim, diante de ditos e não ditos, ainda ecoa o alerta de Adina Mera: “Por favor, salvem a Balaustrada de Trincheiras”, e no campo da cultura e da memória urbana, lembro que se faltar sensibilidade e atitude para a preservação, mesmo que de pequenos valores e símbolos como este, como ficarão os que nos impactam de maneira mais marcante?

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  1. Tudo precisa ser salvo no nosso patrimônio histórico. Salvo do abandono, ocupando-se. De urgente alerta trata o excelente texto.

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  2. Raniery Abrantes27/11/22 13:03

    Um espaço privilegiado. Lugar onde se pode contemplar o adormecer do astro rei. É preciso, urgentemente, recuperá-lo.

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  3. Wanderly Oliveira Siebra28/11/22 11:13

    Excelente apelo. Um lugar bucólico que nos convida a ver o pôr do sol, acompanhada de belas lembranças quando transitava pelas trincheiras em direção ao Administrativo, onde trabalhava. O olhar prescrutador do historiador- pesquisador-planejador urbano, pode ser um alerta ao poder público para salvar esse espaço nobre que faz parte da nossa história.

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  4. Cenário da minha infância , filho do bairro de Jaguaribe , trago na memória gratas recordações de passeios no final da tarde! Salvem a BALAUSTRADA!

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  5. Fernando Pessoa de Aquino29/11/22 16:15


    Cenário da minha infância , filho do bairro de Jaguaribe , trago na memória gratas recordações de passeios no final da tarde! Salvem a BALAUSTRADA!

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