Há mais de dez anos eu remendava uma crônica publicada no extinto jornal O Norte, com frase retirada do Diário de Pernambuco, atribuída a uma negra, à época, com 84 anos: “A gente é cativo da pobreza”. Igualmente, no meu texto, recordava o pensador francês Emmanuel Mounier, para quem a verdade está ao lado do pobre.
Recorri ao filósofo e à mulher pernambucana para referendar a história de quem sobrevive com tão pouco.
Recorri ao filósofo e à mulher pernambucana para referendar a história de quem sobrevive com tão pouco.
No entendimento do inesquecível padre José Comblin, teólogo belga que morou entre nós, com renovada presença em debates para refrigerar a memória como algo salutar ao fortalecimento da luta pelo cantinho onde repousar a cabeça, passou o tempo em que discutir essa verdade era coisa simples. Sabemos que somente o conhecimento leva à vida, mesmo que demore aparecer, mas aparece, e nos libertará.
Lembrei de que para meu repouso basta um cantinho onde encostar a cabeça, como diria Guimarães Rosa. Nunca busquei reforços financeiros ilícitos quando construía o recanto onde agasalho minha família, ou cuia muito grande para aparar a aragem que refresca a vida.
No meu tempo de criança escutava senhores de engenho dizer que pobre deveria viver no seu lugar. Silenciosos, sem nunca se afastar da sujeição, muitos aceitavam viver nessa situação. Os “tubarões” - expressão cunhada para destacar os ricos e poderosos políticos -, hoje modernizados e cobertos com o lençol da impunidade, continuam a gerar pobres cada vez mais pobres.
A pernambucana Rosalena, descendente de escravos, carregava consigo a verdade que nos persegue. Na matéria do jornal pernambucano, ela dizia: “O povo é livre para andar. No resto, depende dos outros para tudo. Pobre só sabe sofrer”.
Continuam comigo as palavras da mulher estropiada, de olhar miúdo estendido ao seu redor, que catava esperança, repetidas pelo jornal do vizinho Estado que circulou durante período de festejo natalino. Ela apontava o olhar enviesado de muitos brancos e negros que se acotovelam nas ruas enlameadas e becos cheios de emboscadas, tentando sobreviver. Milhares convivem na mesma dimensão de escravo, escravos da República, na sujeição de governos apoiados pelos senhores das terras, em nova forma de escravidão. A escravidão da fome, da falta de escolas, da falta de assistência médica, a falta de trabalho, do respeito ao meio-ambiente, de fazer o campo produzir.
A escravidão não é diferente. Os meios de opressão estão mais estruturados. O Estado republicano, cada vez mais opressor, está acocorado diante do poder paralelo das elites. E o povo, desiludido, levado ao desespero, cata migalhas nas calçadas. Cada vez mais aumenta o distanciamento entre ricos e pobres. Três por cento da população brasileira cada vez mais aumenta a fortuna e os demais encolhem. O grito dos oprimidos de hoje é semelhante ao clamor de Israel quando se livrou das garras do Faraó do Egito.
Continuo a acreditar nas palavras do filósofo Mounier, endossadas pelo padre Comblin e referendadas por Dom Marcelo Carvalheira, de que a verdade estará ao lado dos pobres. Nenhum sofrimento é capaz de reduzir o pobre a cinzas, porque onde existir uma brasa acesa, daí ressurgirão as labaredas da esperança. Um dia, quem sabe, poderemos dizer que pobre não é para sofrer.