Um pedaço de nuvem despejava sobre o ambiente a vida feito um regador. O barulho rápido e forte cai como um lençol sobre a terra enquanto a luz reflete ouro na garrafa escura meio vazia, metade ainda cheia, antes da meia-noite, em tom de festa íntima, quase sagrada. Enquanto isso, no ar uma música suave, alegre, compondo quadros de tintas frescas, pinceladas de outros tempos na memória. Revisita as leituras lidas, as películas assistidas, as sonoras orquestradas das cenas projetadas pelos ouvidos, reviva.
A mesa posta toca uma valsa em harmonia. Taças em tinto vinho, o lampião decorativo em luz de vela, os aperitivos e tudo o mais. Nada demais, tudo no ponto, perfeito, em paz. É sabor de boca, é gosto de corpo e alma, feito fruta tirada do pé, tipo de manga, caju, suculento beijo. Cenas, cenários, lampejos, relampejos.
É feito o mar do dia seguinte de imenso azul ligando água e céu em um lugar adiante da vista que se junta num abraço filosófico e seus mistérios. Areia, sal, líquida realidade, concreto sonho embalado pelas vagas, como se surgisse no espaço entre duas ondas. Abrasador paraíso feito um gole de bebida sutil, que amolece os olhos. Reinado dos tempos de dias e noites e sonhos.
Cada retoque, todos os toques e sentidos remontam às telas distintas. Feito a cabeleira de árvores que se orquestram musicalmente ao soltar em pingos amarelos para atapetar o chão e encantar os passantes, pisantes, efêmeros seres. Um curta-metragem anual de paisagística inspirações a cada retalho ajuntado da passada do pincel para surgir o melhor da cidade.
É o fogo a ferver o alimento, a cozer os pensamentos, a formatar castelos, marés, flutuantes realidades como o macio algodão-doce, a doce e firme maçã do amor, um parque inteiro de diversões montado a cada início de mês de agosto. Neves festivas padroeira. Muitos quadros de anos diversos. O carrossel, o balão, a gigante roda e todas as engrenagens da festa. Infâncias trazidas à cena em breve intervalo do balançar da chama da vela ou ao piscar da estrela noturna.
De volta à mesa, misturas. O tinto argentino e o pão italiano, o queijo francês e a sonoridade brasiliana. Rito gastronômico e mental. Cardápio de alegrias, reencontros de ideias, olhos, promoções aleatórias adquiridas sem planos, feito ir solto pela correnteza de remo em punho, vento na face, respingos por toda parte, com a alegria da certeza de que abraçará o mar.
E Gil, o Gilberto rei negro da Bahia e de todos os brasis, lembra com a certeza da simples genialidade como pinceladas postas na mesa da mente: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora”.