Quantos sonhos, quantos projetos, quantas aspirações restaram e restam frustrados na vida de cada um. Desde a infância, passando pela adolescência e juventude, depois pela maturidade, até a velhice. Sonhamos e desejamos a vida inteira. E nos frustramos também, a despeito de, às vezes mais, às vezes menos, realizarmos alguma parte dos sonhos e dos desejos. Geralmente, essa parte realizada é menor que a apenas sonhada, mas, sabemos, a vida é assim mesmo: nessa contabilidade o “deve” costuma ser maior que o “haver”.
Somos feitos também do que não fizemos e do que não conquistamos. Essas carências e essas ausências também nos definem. E como! Em muitos casos, nos definem mais que nossas realizações. O buraco que fazem em nossa interioridade (nossa alma?) é tamanho que não temos como ignorá-lo. Um buraco negro. Os psicanalistas conhecem muito esse fenômeno, que, imagino, deve ser o feijão-com-arroz de seus divãs. A falta. E suas consequências mais ou menos graves, nunca indiferentes.
Machado de Assis, nosso Shakespeare do Cosme Velho, escreveu que “o menino é o pai do homem”. É o título do Capítulo XI de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Há todo um tratado de psicanálise nesta simples frase de sete palavras. Sim, o homem feito, o homem maduro e o homem velho carregam até o túmulo o menino e o adolescente que foram, com suas luzes e trevas, alegrias e pesares. É da terra e do estrume do que fomos que nasce a flor que somos, continua Machado, sabendo, claro, que essa flor tem perfume e tem espinhos.
Penso que é na adolescência e na juventude que sonhamos mais, no sentido de estabelecermos projetos e aspirações para o futuro. As crianças não se preocupam ainda com o que há de vir; contentam-se, no bem e no mal, em vivenciar apenas o presente. Mas os jovens, não. Eles já sabem que haverá um futuro, pelo menos potencialmente, e tratam de planejá-lo, de sonhá-lo, dentro do possível, em face das aptidões, dos recursos, das circunstâncias, enfim, de cada qual. Pois até os sonhos, em princípio ilimitados, terminam por pagar imposto à realidade, já que, triste lição, não adianta sonhar com o que não podemos ter – ou ser. E quanta coisa queremos alcançar quando somos moços! Quando ainda não tomamos contato com as limitações – tantas! - que a vida nos impõe inevitavelmente.
Sonhos profissionais (o ser), sonhos materiais (o ter), sonhos afetivos (o amar e ser amado). Eis, em síntese, o terreno das aspirações humanas. O solo movediço em que tentamos plantar a sementinha dos nossos projetos, dos nossos quereres. Plantamos porque não custa nada plantar. Mas a colheita quase sempre deixa a desejar. Quase nunca colhemos o que esperávamos. Em quantidade e em qualidade. Mas não somos definidos somente pela messe; como dissemos acima, a semeadura também nos define, mesmo que frustrada.
Esse amálgama de sonho e de realidade é muito complexo. Pois varia de pessoa para pessoa, e na mesma pessoa esses ingredientes variam de importância, de peso, de acordo com a história individual e com consequências psicológicas a depender de cada caso. Mas tudo isso nos faz: o feito e o não feito, o dito e o não dito, o sim e o não da vida – e na vida. Sim, definitivamente, “o sonho irrealizado compõe também o acervo de nossas vidas”. E quase sempre é a parte maior do que somos nós.