Quando a desigualdade entre níveis de vida de grupos populacionais atinge certos limites, tende a institucionalizar-se. E quando um fenômeno econômico dessa ordem obtém sanção institucional, sua reversão espontânea é praticamente impossível. Além disso, como os grupos economicamente mais poderosos são os que detêm o comando da política, a reversão mediante a atuação dos órgãos políticos também se torna extremamente difícil”.
Foi o que lemos em 1959 num livro editado pelo ISEB, órgão de pensamento avançado da época, e firmado pelo economista e pensador Celso Furtado como introdução ou manifesto para a Operação Nordeste, no governo de Jk, dando lugar à Sudene.
Sessenta e três anos depois, vendo a constante uniformidade de cores no mapa de apuração das eleições no Nordeste não me acudiu apenas a institucionalização da nossa desigualdade regional como a de permanecermos numa luta disfarçada de classes. A região de clima europeu que pôde atrair os capitais e mentalidades mais ricos da Europa têm um peso maior no PIB e na dominação geral da economia e das instituições. A região que se esgotou na cana de açúcar passou a tributária não só das exportações como das transações internas. Não precisa amostragem mais clara ou vermelha, basta ir a nossa Ceasa e verificar que além do abacaxi, do coentro e do quiabo, quase tudo vem de fora, do tomate ao computador ou ao automóvel com todas as suas reposições.
Houve um desenvolvimento especial na infraestrutura e nenhuma região do terceiro mundo experimentou, dois ou três decênios após a Sudene, taxa de crescimento tão elevada, além de um processo de industrialização realmente intenso. Mas é o próprio Celso Furtado, tantos anos depois, quem reconhece: “Se é verdade que houve melhoria considerável na infraestrutura física e nos setores de transporte e energia, não é menos evidente que os salários reais da grande massa da população em nada refletiram esse crescimento econômico”.
Enfatize-se: “da grande massa da população”. Essa massa cada vez mais crescente que avermelha os mapas de apuração eleitoral da região que cada vez mais se configura em luta de classe, sensível e solidária quando se vê tratada com prioridade no acesso à mesa, à educação básica e até à ascensão social.