Quando retornei ao sítio onde nasci, recentemente, era uma manhã em que as folhas das árvores e as poças de água refletiam os raios do sol e com o barro da estrada grudado na sola dos pés, entrei na casa que me serviu de abrigo desde quando mamãe deu à luz a mim e ali permaneci até aos quinze anos de idade.
Como que flutuando, andei em círculo pela sala e outros cômodos de mesmo piso grosso, desgastado, cimentado há mais de sessenta anos. Na lateral havia uma janela, mas foi tapada e recamada vultosa caliça. As paredes tinham a caliça original. As mesmas vigas de madeira postas sobre a meia parede apoiam as linhas de madeiramento roliças, caibros e ripas sustentam as telhas-vãs que nos protegeram das invernadas e do sol de verão.
Como que flutuando, andei em círculo pela sala e outros cômodos de mesmo piso grosso, desgastado, cimentado há mais de sessenta anos. Na lateral havia uma janela, mas foi tapada e recamada vultosa caliça. As paredes tinham a caliça original. As mesmas vigas de madeira postas sobre a meia parede apoiam as linhas de madeiramento roliças, caibros e ripas sustentam as telhas-vãs que nos protegeram das invernadas e do sol de verão.
Os tijolos e telhas foram construídos no próprio sítio, cozinhados em caieira que demoravam oito dias fumegando. A casa com a bodega tinha sido construída em 1945, um ano antes do casamento de papai e mamãe, mas com o aumento da família, por volta de 1965, ampliaram as acomodações com dois cômodos e nova cozinha.
Na manhã, quando entrei em nossa antiga casa, com a vista percorri a paisagem das duas salas e da cozinha, caminhei lento de um lado para o outro e sem que percebessem, derramei duas gotas de lágrima pelo canto dos olhos. Percebo o lugar do fogão a lenha inalterado, a tisna na parede e no telhado não foi totalmente apagada. Os seis armadores de ferro enferrujados fixados nas paredes, imediatamente, trouxeram imagens de quando repousávamos nas redes em noites intermináveis.
Seguro o armador de rede que tantos sopapos aguentou quando nos balançávamos, ainda em perfeito estado de conservação. O que fica perto da janela, papai pendurava o bornal de caçador e a espingarda de soca-soca, sem munição. Minha rede de dormir ficava junto à parede, talvez venha desse tempo meu gosto de sempre ficar nos recantos das salas para não incomodar a ninguém. Ao despertar pela manhã, deixávamos as redes penduradas nos armadores, mas se por acaso tivesse alguma visita à casa, estas indumentárias eram guardadas por mamãe. A sala deveria ficar bem arrumada. Os tamboretes postos juntos às paredes, a mesinha do rádio Canarinho sempre forrada com pano de chita desenhada com pequenas flores, até um jarrinho com flores era colocado perto.
O novo morador abriu para mim a janela fechada com tramela de tábua, a mesma janela onde tantas vezes me debrucei para olhar as primas, filhas de Nita e José Nunes, quando passavam com destino a cidade para as missas nos domingos ou vindo da escola. Janela de onde se avistava as paisagens de Arara, de imponente beleza quando o sol poente avermelhado desce sobre os montes. Próximo estava o pé de mulungu aonde pássaros faziam ninhos e também os quatro pés de coco-catolé no aceiro do curral, transformados em pouso de canários-da-terra que cantavam ao amanhecer, numa peleja com o galo, dono do terreiro.
Nesta casa recolhi as lições que brotavam da terra, a minha escola mais importante porque as outras ficaram distantes. Ali entrelaçaram-se raízes da paixão pela vida, pelo uso da palavra escrita que mais tarde descobri, com a qual luto diariamente para minha sobrevivência. A casa de hoje, era o mesmo labirinto aromático de outrora, com o perfume fresco do mato e das plantas silvestres, da amorosa e da laranjeira que entrava pelas janelas, portas e telhas-vãs.
Haviam noites para observar as estrelas antes de dormir ou, em alguns períodos do mês, deitado na rede, olhávamos o clarão da lua pelas aberturas no telhado.
Reconstruo aquele remoto ambiente familiar, relembro as paisagens de Tapuio e seus arredores, todos salvos pela poesia. Nesta curta visita reencontrei os heróis que me criaram, construídos na forja de poucos afagos silenciosos, mas reforçados na fé para tê-los perto. Cada retorno a este lugar é motivação para buscar a poesia escondida, mesmo que seja um velho armador de rede na parede.
Tapuio e esta casa são meu mundo, o sítio que carrego comigo e para aonde retorno, muitas vezes, nas asas da imaginação. Contemplo tudo com os olhos de camponês que conduz a alma das plantas, o sabor da água das cacimbas, a brisa dos canaviais e das palmeiras que acenam à distância.