Eram sempre vistos juntos desde a oitava série quando passaram a sentar lado a lado no banco escolar. Antes disso, não. Afinal, em todos os cantos do mundo, menino e menina apenas se buscam quando começa ele a engrossar a voz e, ela, a afinar a cintura.
Não foi diferente com aqueles dois. Recém-ingressos na adolescência, decidiram que se completavam. Ele era bom em gramática e literatura, enquanto ela se dava de melhor modo com as ciências exatas.
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Os pais logo se acostumaram a vê-los com frequência em cada sala e cada varanda. Quantas vezes, mesa posta, não aceitaram, prazerosamente, o convite feito por cada mãe? Neste quesito, surgiram, também, as preferências individuais, tal como em relação às matérias da escola. A sopa de casa, para aquela mocinha, não era tão boa quanto a da mãe dele. Por sua vez, ele preferia o frango ensopado servido na casa da amiga, aos sábados, invariavelmente.
Com o passar dos anos, sem que percebessem, formaram um par constante, também, na praça e nos bailes. A dança coladinha, de ritmo lento, romântico, já lhes parecia bem melhor do que a das músicas alegres, saltitantes, no grupo de amigos, todos soltos em seus requebros e passos.
Quando colados permitiam-se o contato físico que, por mútuo acanhamento, não buscavam em outros ambientes. No pequeno clube, com todas as licenças conferidas pela música e pelas circunstâncias, apertavam-se os corpos e experimentavam todas as sensações disso decorrentes. Eram, afinal, ali, mais um par na multidão em quem ninguém reparava.
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Decidiu que, dia amanhecido, poria as cartas na mesa. Pessoalmente, não entendia a razão pela qual uma dupla que se amassava num salão de baile era incapaz de juras e beijos num pé de muro. Assim decidiu, mas não o fez. O tempo de amizade impedia tanto os beijos quanto a discussão do tema.
E a vida seguiu sem sobressaltos até o momento em que a notou mais fria e mais distante. Já se culpava pelo que tentara junto ao muro quando ouviu a história do desembarque de um sujeito bonito, atlético, na casa de uma amiga em comum.
“Clarisse, agora, deu para me procurar”, comentou a tal amiga, maldosamente, sem dúvida, porquanto atribuiu essa aproximação inesperada e súbita a Cláudio, um primo da Capital a quem pai e mãe hospedariam por duas semanas. Não passou recibo do baque. Caprichou no ar de descaso, mudou o rumo da conversa e logo se despediu da informante com as entranhas em brasa.
Pheladii
Transcorridos não mais do que três dias já as duas mães notavam o esgarçar daquela união de carne e unha. “Onde anda João Vitor?”, perguntou uma delas. E a outra: “Você brigou com Clarisse?”. Respostas evasivas, envergonhadas, em ambos os casos.
Cláudio se foi e deixou com Luiza o endereço, o telefone e a promessa do reencontro. As meninas todas sossegaram e a vida retomou o curso normal, tranquilo, pachorrento. A única novidade ficou por conta do desapego daqueles dois.
Hatice
Os namoros sucessivos logo chegaram ao conhecimento dos pais com brigas nas duas casas. “Não criei filha para a libertinagem”, ela ouviu do seu. E não engoliu o choro, um pranto sem consolo, penoso, pesado.
A má fama, enquanto isso, afastava dele as meninas mais sérias e, de resto, o bom relacionamento familiar. “Quando você vai deixar de ser moleque e tomar jeito de homem?”, perguntou-lhe o juiz de direito de cujos cachos saiu, ao saber, também, da presença constante do filho nos bares. Cada repreensão doméstica era atribuída por um à existência do outro. E nunca mais se falaram.
Toda cidade, por menor que seja, dispõe de um bêbado com ares ou de filósofo, ou de poeta. O dali era dado ao deboche: “Quem disse que a paixão não liberta?”. Outras vezes, porém, compadecia-se daqueles dois e, nessas ocasiões, desafiava o resto do mundo: “Quem já não perdeu um amor por medo de perder uma grande amizade?”. Quanto a mim, prefiro calar. E vocês?