Vim comprar o jantar dos meus filhos numa pizzaria próxima de casa, aqui no Bessa.
Não tinha vaga no estacionamento, pois grande parte da classe média praiana bolsonarista também faz o mesmo.
Não sou bolsonarista nem da classe média ideológica, essa doença; apenas da classe média econômica.
Observo aquelas famílias e percebo que se perdessem seus empregos ou fecharem seus negócios, cairiam imediatamente na pobreza ou na miséria, que tanto odeiam. Dependeriam da caridade dos parentes sobreviventes, a última fronteira da fome. No entanto, comportam-se como uma elite que odeia os pobres e a Assistência Social pública, a qual consideram como sendo uma forma de corrupção.
Aguardo, parado logo atrás de algumas vagas ocupadas, quando diviso uma senhora de quase 50 anos ou aparentando isso. Vestia uma bermuda e segurava, numa das mãos, um guarda-chuva e, na outra, uma sacola plástica, dessas de supermercado.
Revirava o lixo do restaurante em busca da refeição da noite. Seu constrangimento era nítido. Ainda não tinha perdido completamente os últimos fleumas sociais e, aparentemente, importava-se com o julgamento alheio.
Não encontrou nada.
A classe média também anda faminta e só tem para si.
Como recurso final, não se dirigiu aos arrogantes moradores da praia, mas sim aos entregadores, que por ali também transitam, já que o tambor do lixo fica numa área contígua à expedição das entregas.
É possível que, se pedisse algo aos clientes do estabelecimento, ouvisse um agressivo “não”.
Mas os pobres que se sabem pobres são solidários entre si. A mulher ganhou um cafezinho quente, que era tudo o que os entregadores tinham para si. Quando ela se virou de frente para o farol aceso do meu carro, li a inscrição em sua camiseta: “Game Over”. Coerente com a situação em que se encontrava, não por acaso ou por merecimento, mas porque há uma elite e classe média raivosas que desejam que ela permaneça assim: revirando os restos de comida, desdentada, faminta, humilhada, desesperançada; e que até fecha rodovias, para que o jogo dos pobres esteja sempre encerrado. Baixei o vidro e me dirigi àquela mulher.
⏤ Moço, estou passando por uma situação muito difícil. Difícil mesmo. Pode me ajudar?
Apenas estendi uma nota em sua direção.
Ela pegou, agradeceu e saiu em silêncio.
Meu filho chegou com a pizza e o suco.
⏤ Está tudo bem, papai?
Respiração profunda. ⏤ Está, meu amor. Está tudo bem.