Reconhecimento e gratidão são coisas que não podemos deixar para depois, mas acontece. E quando ocorre, aquele cantinho escuro, pouco ...

Emília, Simão e Giuseppe

nostalgia lembrancas escola professores
Reconhecimento e gratidão são coisas que não podemos deixar para depois, mas acontece. E quando ocorre, aquele cantinho escuro, pouco visitado por nossos mais marcantes sentimentos, sejam eles de saudade ou de reconhecimento, fica condenado à aridez de um Saara.

Não podemos perder a oportunidade de um abraço, de um beijo, ou quem sabe de um simples olhar fazendo parceria com um sorriso transbordando de benquerença. Precisamos dessas coisas para não nos sentirmos indiferentes às mais básicas relações de uma humana convivência com aquelas pessoas, que por um motivo ou outro, marcaram nossas vidas com tintas de ternura.

Falhei muitas vezes neste quesito. Não me perdoo por isso. Ainda hoje me chega à lembrança a imagem daquela senhorinha que muitas vezes vi cuidando de sua varanda ou dando tratos ao seu jardim sempre que eu passava por aquela rua.
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Tinha eu ímpetos de estacionar o carro, ir até ela, identificar-me; e, com um abraço quitar aquele débito de quase três décadas. Essa mulher que roubava minha atenção naqueles instantes chamava-se Emília Rachid Meira. Foi minha primeira professora no Grupo Escolar Ângelo de Siqueira Afonso. Minha mãe alfabetizara-me em casa sob a batuta da Cartilha Sodré e no ano seguinte Dona Emília, usando a mesma cartilha, reforçou-me o aprendizado das primeiras letras.

Ao final daquele primeiro ano letivo de minha vida escolar, presenteou-me com dois opúsculos: “Mamãe Coelha” e “A horta do Juquinha”, por ter sido eu o de melhor desempenho daquela turma. Como poderia eu esquecer desse mimo? Estiveram entre meus guardados por muitos anos. A doce figura dessa mulher que tratou-me com desvelo e atenção ficou guardada naquela canastra onde depositei minhas melhores recordações. Fico a me perguntar: Por que nunca parei para conversar com ela? Sempre dizia comigo que qualquer dia eu bateria palmas em seu portão e lhe entregaria um ramalhete. Fiquei naquele empurra do qualquer dia eu faço... Não fiz. Anos atrás, tantas latitudes distante, soube consternado do seu falecimento.

Já o segundo abraço não fiquei devendo. Simão Chuster foi meu professor de matemática no ginásio e no científico. Sua forma paciente de explicar, sempre nos mostrando os pré-requisitos que antecediam à exposição principal,
Arq. SJ dos Campos
marcou meu aprendizado Não havia como não entender. Segui o seu caminho lecionando sua disciplina por mais de 50 anos e não é bastante dizer que foi meu mestre. Emprestei por esses anos todos o que pude de sua didática.

Já lecionava, quando num domingo, passando em frente a sua residência — que salvo engano, ficava numa esquina da Dolzani Ricardo e a Vilaça, encontrei-o lendo seu jornal na varanda. Parei e puxei conversa. O velho Simão, já em vias de se aposentar, ficou surpreso com a notícia de que eu ensinava matemática. Agradeci pela influência que exercera e ele pela lisonja quando eu disse que tentava fazer minhas aulas iguais às dele. Ainda o vi ocasionalmente algumas vezes. Foi um abraço que não fiquei devendo.

Para o terceiro amplexo, vou fazer uso dessas, como dizem, mal traçadas linhas, para desonerar mais um débito. Giuseppe Nobilioni é o destinatário desse boleto que pretendo quitar nas linhas que se seguem.

Logo nos primeiros anos de carreira, comecei a lecionar no Colégio Objetivo que ficava (ainda fica) na Avenida Paulista em São Paulo. Giuseppe era o coordenador de matemática. Ali, poucos meses depois de minha entrada fui experimentado em aulas de cursinho que eram as cerejas do bolo para quem lecionava por lá.
▪ Objetivo
Num sábado fui jogado numas aulas de uma tal de “Programação Paralela” para as turmas de cursinho e terceiros anos. O assunto: “Indução Finita”. Fiz, minha parte, recebi uns elogios da direção e comecei a me achar a última bolacha do pacote.

Era comum, irmos à gráfica da escola para revisão e montagem de material, conferência de provas e outras tarefas. Tive muitas oportunidades de me encontrar com Giuseppe por lá, sempre solícito, nunca me negou uma orientação e o fazia de forma muito gentil apesar de seu jeitão muito sério que me lembrava um caubói mexicano. Numa dessas vezes, me chamou para uma conversa e me colocou o seguinte: “Os alunos gostam muito de sua aula. É divertida, gostosa de assistir, mas aprendem pouco” E completou: “Não perca seu bom humor, mas vai ter que escolher, quer ser um professor popular ou um professor de prestígio? Foi minha maior lição. Preferi a segunda possibilidade. Então, Jacaré (era o apelido de Giuseppe), fica ainda que tardiamente meu abraço terno de reconhecimento.

Emília, Simão e Giuseppe obrigado pelo lápis, pela régua e pelo compasso, pois eles ajudaram traçar meus caminhos.

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