Em meio à caminhada pela estrada canavieira recheada de chuva intermitente, risos aventureiros e lama contínua, percebo que é um novembro, em um mês estranho de um ano confuso. Lá fora, no dito mundo, sabe-se que ainda haverá Copa do Mundo mesmo com o São João já ido; e em frente aos quartéis há torcedores canarinhos que pedem golpe, querem mudar a regra do jogo... em vão esperneiam.
Novembro estranho. É azul, mas divide espaço com o vermelho e branco natalino cheio de estrelinhas que invadem as casas, as vitrines das lojas. Mas também está misturado de verde e amarelo sem astros iluminados, mas de memória aparentemente apagada. Será que vão banir as cores do Papai Noel? Ele seria um comuna? Ou será preciso apostar no azul e branco na hora do gol para escapar da ideologia do gênero mitológico sem lógica?
Em pleno novembro pelos trópicos os pés firmam-se na esponjosa estrada, livre de placas, exceto pequenas marcas de leitura canavieira. Os passos acostumam-se com o ambiente. Calçados enfiam-se no chão molhado que parece unir as solas dos pés a terra. As nuvens abaixam-se para despejar-se em aguaceiro. O cinza domina os horizontes e os céus aproximam-se do solo, da plantação, de todos os seres. O cenário, longe de ser triste, ao contrário, é divertido.
Melhor o visual do caminho. A cana-de-açúcar domina a visão, entrecortada por estradas lamacentas trilhadas por tratores, treminhões e outros veículos robustos. Seres humanos seguem atrás do doce da água que cai do alto. É Escada, Pernambuco, mas o destino tem o mesmo sabor de outras rotas pelo Nordeste imenso. Trilhas de Bananeiras, Borborema e Serraria e cercanias para o Roncador. Tantos outros percursos até onde o mundo jorra alegrias de cachoeiras.
Lá fora, no restante do mundo, carros circulam pelas estradas, das chaminés soltam fumaças, das políticas ainda as feras insaciáveis rejeitam decisões democráticas e rugem baboseiras. Novembro estranho entre aglomerados em delírio coletivo, festejos de estrelas multicoloridas e cenas de calmaria que remontam a imensidão de vegetação trocada das árvores pelo infinito canavial. Onde foi mata, hoje só cana.
Novembro de aventura. Ao som dos sorrisos, dos olhos já tão conhecidos, do reconhecer-se amigos. A lama agarra cada palavra, solidifica um novo passo, ajunta os caminhantes. Descidas e subidas são semelhantes às décadas jornadas que se bifurcam pela vida, escrevem novos capítulos, avançam ombro a ombro.
Na Pé de Serra, água canta forte e barrenta após receber reforço dos céus tempestuosos. Furiosa força poética em líquida passagem a construir leis naturais. Águas em cachos despencam do alto para benzer o caminho por onde passam. Perto dali, a estrada molhada vira parque de diversão onde se patina, se desequilibra para se aprumar e seguir em frente. Feito vida, plena alegria.
O tesouro é um mergulho em água doce como menino solto, limpar a alma, benzer com chuva. Se é novembro, logo dezembrais. Um ano novo com janeiro, cajus em chuvas valencianas, junho com gosto de milho de santos, feliz calendários. O destino é sempre um retorno, caminhar em cada dia por todas as trilhas e reencontrar-se em eterna infância.