Para definir a situação atual do País, recordo uma assertiva de Dom Marcelo Carvalheira de vinte anos atrás, quando nosso arcebispo emérito dizia àquela época que “estávamos vivendo uma guerra civil”. Quando escutei isto, num tempo quando ainda a incidência da violência não amedrontava tanto, mesmo rodando às nossas casas, estremeci.
As palavras “guerra civil” sempre estiveram na minha mente como algo pernicioso à dignidade humana, porque escutava meu pai conversar sobre isso quando me colocava perto do balcão na bodega, em nossa casa.
As palavras “guerra civil” sempre estiveram na minha mente como algo pernicioso à dignidade humana, porque escutava meu pai conversar sobre isso quando me colocava perto do balcão na bodega, em nossa casa.
Nosso religioso, de saudosa memória, que está fazendo uma falta enorme, quando falou que estávamos vivendo “uma guerra civil” se referia a situação nas periferias das grandes cidades, onde a criminalidade organizada se expandia e se modernizava. Ele citava, como exemplo, as favelas do Rio, onde quem comandava não era mais a autoridade constituída, mas as lideranças de facções do crime. “Se um dia eles resolverem descer sobre a cidade e realizar uma revolução armada...”, “seria uma coisa terrível”, dizia ele. No seu entender, os Poderes Legislativo, federal e os estaduais, estavam enfraquecidos e desacreditados para tomar medidas que pudessem estancar tal sangria.
O problema atual é que não temos mais liderança que comova com suas palavras, que aglutine uma consciência popular, forte e consistente, porque até nesse ponto houve retrocesso. Não bastam oferecer oportunidades de frequentar o circo nem distribuir o pão, mas criar condições para que circo e pão não sejam usados como enganação.
Dom Marcelo era o vice-presidente da CNBB, portanto uma voz respeitada e representativa dentro da Igreja que dava opinião em defesa dos esquecidos. Certa vez disse que o Poder Judiciário, a única instância a quem restava se recorrer em tal situação, “devia ser um poder honrado”, mas naquela época não se portava, em alguns casos, dessa maneira.
“Por isso digo que a Igreja seja a boca aberta e solta para defender o pobre, porque às vezes eles não têm quem lhes defendam”, disse. Sem a quem recorrer, resta senão a Igreja, como braço estendido para o acolhimento. Por isso precisamos de uma igreja profética, que esteja ao lado dos esquecidos, sendo a voz dos que lhe estendem as mãos. A Igreja da esperança anunciada por Dom Helder Câmara, Dom José Maria Pires, Dom Marcelo Carvalheira, Dom Antônio Fragoso, Padre Ibiapina...
Não tenhamos dúvida de que se a Igreja não estivesse ao lado do homem do campo, dando esperança, este País teria incendiado há mais tempo. Os guetos urbanos, destino final dos expulsos da terra, teriam explodido mais cedo. Mas o governo ausentou-se. As cinco décadas que se passaram foram terríveis quanto ao distanciamento social entre pobres e ricos. O pobre cada vez mais sufocado, e os ricos sempre mais na sombra frondosa. A fome ganhou maiores proporções. A violência espalhou-se na favela e chegou ao campo.
Obs.: No domingo, 13-11-2022, a Igreja Católica celebrou o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.