Sempre tive no jornal o livro que nunca fecha, que se abre a cada rasgo no cotidiano. Nesse do domingo passado sublinhei de vermelho e guardei como recorte a aula que Lucilene Meireles foi extrair em entrevista com o presidente do Conselho Federal de Economia, presente num seminário do ramo em João Pessoa.
“O ajuste fiscal, por si só, não traz crescimento econômico (...) Isso é uma das falácias assumidas pelo Brasil desde 2016: a visão de que você cuida da área fiscal – e sequer isto foi feito – e automaticamente a economia recupera a atividade. Não é assim que funciona. O Estado tem que intervir, fomentar o desenvolvimento econômico para que o setor privado também invista”.
A entrevista com o professor Antônio Corrêa de Lacerda toma página inteira, o suficiente para recordar experiências não tão remotas de conquistas inéditas no esforço brasileiro por diminuir os extremos da desigualdade social que desmentem a consciência religiosa e outras mais da elite de um país belo por natureza. Belíssimo, não só pela paisagem ou pelo colosso erguido em emulação com outras babilônias do planeta como, principalmente, pelo modelo humano de nação social aqui encontrado por cronistas estrangeiros dos séculos XVI/XVII. O que se plantava, plantava-se em comum; o que se colhia, colhia-se em comunidade. A terra, a propriedade era comum e vasta, sem fim. Cansada uma, mudava-se para outra. Um comunismo digamos fisiológico, determinado pelas condições naturais de existência, sobrando lugar, mesmo assim, para gritos rasgado na pedra de um ser acima do animal como os das itacoatiaras.
Evoluímos além da inventiva ou do sonho, ingressamos de súbito no inimaginável, pisando na lua, que ninguém quer mais, tornando presentes, instantâneas, falas e imagens as mais distantes. No entanto, quanto mais nos beneficiamos dessa evolução, quanto mais conquistamos, mais crescemos em irmãos “em condição de fome e situação de rua”. O Estado mais rico, matriz industrial e do agronegócio exportador exibe o fundo social em que se assenta.
O progresso é de classe, não dá para todos? Luiz Carlos Souza, em artigo de domingo, vale-se de um reparo de Neca Setubal, uma das herdeiras do Banco Itaú, ao estranhar em muitos a incapacidade de perceber “o que para mim é muito óbvio, que todos ganham com uma sociedade com menos desigualdade”. Lula fez prova disso ao fazer a roda girar, como bem lembra o presidente do Conselho Federal de Economia, ao criar condições para a economia voltar a operar de modo a alcançar um maior número de parceiros.
Quando a extrema-direita concentrou todo o seu arsenal na cassação de Dilma, a pretexto de infringir o ajuste fiscal, ouvi de uma de nossas lideranças empresariais: “Não estou falando em corrupção, pois não sei bem quem não entrou nela. O que sei é que dinheiro não é para ser dado de graça a quem não trabalha, dinheiro é para aplicar em negócio, investir.” E me lembrei do que disse a mulherzinha que fui encontrar às margens do rio Piancó, ao responder como ia ao neto do antigo dono daquelas terras desertas de gente e de pastagens: “Estou só, fulano passou-se pra rua, mas estou bem. Tenho aqui, sozinha, o que o melhor inverno nunca me deu”. E abriu o armário velho com o feijão, o fubá, o arroz, o café, o sabão que as terras não davam mais. Por falta de chuva e de braços.
Volto à dona do Itaú: “Todos ganham com uma sociedade menos desigual. Mas têm pessoas que não querem ser iguais, querem manter as diferenças”. Se realizam mesmo com isso.