16/09, sexta
6 horas. Florescia o dia no Jardim 13 de Maio, a plenos pulmões da primavera de setembro de 2022. Em lugar tão próximo às águas que banham o Varadouro e o marco-zero da antiga Filipeia de Nossa Senhora das Neves. Era chegada a hora de bordar o tempo, acolher afetuoso chamado e oferecer abraço aos formidáveis laços do passeio pelos fios e rios que desenham e oferecem vida à extraordinária paisagem fincada entre o cariri e o sertão da Paraíba.
Seguimos, eu e meu filho, o arquiteto Tao Pontes, ao encontro do casal amigo Delma e Carlos Cesar, que, a nós se juntaria, por vias e rias nos largos arredores dos Bancários, até a ida ao ateliê do artista Chico Ferreira. Dalí, partiríamos, também, na doce companhia de Camila e Capitu, com destino a incrível e sublime aventura.
Por exatos 325 quilômetros à frente, a BR-230 serviria como trajeto no majestoso e harmonioso tapete de simplicidade e admiração, de felicidade e contemplação. Com direito à trilha escolhida ao som de Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gal Costa, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Marisa Monte, Chico César, Pink Floyd, Beatles, Elton John, Genesis, Queen, Cat Stevens, Nina Simone e tantos outros grandiosos do cancioneiro universal.
Seguíamos o amigo vento, pelas mágicas curvas do rio. Atravessamos o tempo, por brancas e meigas nuvens no caminho. E, assim, seria o dia de feliz canto e imenso encanto pelos melhores corredores do nosso maior e mais sossegado cotidiano.
Dividimos o percurso entre dois itinerários. O primeiro, com parada no Café do Vento, para saborear deliciosa tapioca servida com café nas mesas do Irmão Firmino, às verdes margens da rodovia. O outro, com passagem pela Rainha da Borborema e breve pausa em Soledade, nos levaria à terra que já foi um dia morada de um dos mais admirados autores brasileiros: o paraibano Ariano Suassuna.
12h45. A chegada a Taperoá nos levaria direto à Casa de Pedra, do alegre casal Beliza Cristina e Ibrahim Marcolino. Lá nos aguardava deliciosa culinária com cheiro e gosto nordestinos. Tucunaré e cabrito assado seriam os pratos escolhidos e acompanhados por macaxeira frita, arroz da terra, farofa d’água, entre tantas outras iguarias guarnecidas por farto cardápio com as especialidades da casa.
Breve visita aos logradouros da cidade nos dera de cara com o casario antigo, a ponte cardeal, a imponente catedral, a praça principal e os passos entre os laços trilhados pelo mestre Ariano. Lá, também, se avistara a bela e famosa igrejinha, que servira de cenário para as filmagens de um dos maiores e orgulhosos clássicos da nossa dramaturgia nacional: “O auto da compadecida”.
De volta à estrada, precisamente na saída de Taperoá, em direção à Maturéia, caminho que também vai dar na fazenda Carnaúba, onde vamos encontrar o templo sagrado do dramaturgo e do primo-irmão Manelito Dantas, com seus remanescentes gestos. O lugar, com a terna magia de sua paisagem, sempre fora considerado um dos principais produtores de queijo caprino artesanal do Brasil.
15h30. Na chegada à Maturéia, uma pausa para compras em um dos supermercados que abastecem a região. E, de lá, seguimos direto ao restaurante Caboclo, onde é possível saborear delicioso açaí com sorvete. Verdadeiro manjar dos deuses. Maravilhosa sobremesa, por escolha de Capitu. Logo ali, aproximamos do nosso destino. Alguns poucos minutos nos separavam da ecopousada Pico do Jabre.
Depois de instalados os vínculos e as peças de nossa bagagem interior, sob o conforto e o apreço de formidável hospedagem, já era hora de conhecer o som da pedra, rodeado pela suave sinfonia de folgazes mocós, na Pedra do Caboclo, e o majestoso pôr do sol no mirante do Jabre. Magnífico fim de tarde.
Imagens:Camila, Juca e Tao Pontes
Logo mais, seria servido o jantar, com direito a cuscuz, queijo, inhame, ovo, suco de laranja, café com leite e sopa de jerimum. O dia chegaria ao fim com bordadas e infinitas narrativas de seu Chico, em torno da memória do pai e das aventuras contadas por Ariano e regadas com inúmeras taças de vinho ao redor da fogueira.
17/09, sábado
5h30. Amanhecia o dia silenciosa geografia, em torno do fabuloso canto regido por concrizes, sabiás e galos de campina. A caminhada pela trilha, que levaria até o Curral da Pedra, desenhava o horizonte para o café da manhã em escolhido e afetivo clima de fazenda, esboçado e nomeado por bois, vacas, cabras, cavalos e rangeres de porteira e bem acompanhado por coalhada, tapioca, leite quente, queijo assado, banana frita e outras frutas da estação.
Em seguida, haveríamos de conhecer as instalações do espaço de degustação de café, há tanto sonhado pelo casal anfitrião Daisy e Álvaro Dantas, para receber convidados e amigos queridos, onde fomos premiados com a acolhida e a atenção do filho Joaquim e a euforia dos cachorros Piaba, Romeu e Julieta, a nos mostrarem os pormenores que compõem a paisagem do lugar.
Em especial, nos deslumbramos com o jardim e o pomar, com as verdes folhas e os doces frutos da goiabeira, bem como, o flat construído para acolher o cotidiano imaginário das galinhas.
Afeitos à vida natural do campo, Daisy e Álvaro acompanham, com dedicação e carinho, todos os detalhes do espaço ecológico, antes imaginado por Eduardo Dantas, e, agora, por ambos mantido, com o apoio e a parceria de Elizandra e Daniel Dantas, o qual inclui chalés com varanda, mesinha e rede, piscina, restaurante, trilhas e parquinho com escorrego, balanço e gangorra.
Ela adora cinema, música, gastronomia, reunir a família e receber os amigos em torno da alegria da sala. Ele é afeiçoado a livros e natureza e não dispensa supervisionar tudo de perto, quando o assunto se refere a obras de reforma e construção ao redor dos caminhos que compreendem os limites da sua propriedade.
Imagens:Camila, Juca e Tao Pontes
13h. Expressivas imagens do bando de Lampião, em referência à era do cangaço, fazem sala aos visitantes, para contar parte da história vivida pelos sertões nordestinos, nos ambientes do restaurante Caboclo, diante do imponente pedaço de paisagem rural.
O estilo casa-grande de fazenda revela o conceito de arquitetura do espaço, favorecendo o bate-papo em torno da sala ou da larga varanda, onde é possível conhecer as delícias gastronômicas da região. Entre elas, o prazer em degustar excelente galinha caipira.
17h. Tudo certo e tudo pronto para conhecer, enfim, o pôr do sol no Pico do Jabre. Antes, uma passada pelo caminho que nos leva à antiga casa dos avós de Ariano Suassuna, onde lembramos a rica história de um dos maiores personagens que a literatura e a dramaturgia já produziram.
A bordo de uma picape 4x4, cabine dupla, guiada com o olhar de experiência de Daniel Dantas, subimos fantástica e impressionante estrada em aclive, com suas curvas íngremes e imponentes, que nos levam aos 1.197 metros de altitude do Parque Estadual do Jabre, responsável pela proteção da flora e da fauna encontradas na Serra do Teixeira.
Todo o esforço é recompensado por deslumbrante e privilegiado crepúsculo. É como se a gente estivesse conhecendo o belíssimo exterior de outro planeta, vivendo em universo diverso, de tão admirável ser essa magistral e abençoada paisagem.
Do alto do cerro, avistamos extraordinário cenário panorâmico que compreende 130 km de extensão, entre os estados vizinhos de Pernambuco e Rio Grande do Norte. Lá, também, vamos encontrar, do nosso lado paraibano, os limites cardeais de Patos, município que se acha banhado pelas águas do açude Jatobá.
Imagens:Camila, Juca e Tao Pontes
20h. A luz suave e um ambiente de bom gosto contracenam com o diversificado menu oferecido pelo Maturi Restô. Os pratos são servidos com a magia da cozinha regional contemporânea, em apropriada associação com a obra desenhada entre traços, curvas e cores e assinada pela arte de Chico Ferreira.
O cardápio em harmonia com a qualidade da cachaça paraibana é especialmente bordado pela chef Teca Costa e devidamente escoltado pelo fino trato do marido Bertran Feitoza. São 51 porções e combinações para cada tipo de cachaça. Deliciosa noite, regada a largas doses de jovens ideias e frutíferas conversações.
18/09, domingo
10h30. Tempo de voltar. É chegada a hora de se despedir do iluminado sol, de deixar o esplêndido rio seguir seu infinito curso, de abancar o amigo vento e de fincar o pé na estrada novamente. E traçar o percurso inverso dos versos. E, também, talhar o íntegro exercício das admirações. Agora, de volta ao aconchego do lar.
O sorriso no olhar é somente para falar e reafirmar o que pensa e entende a voz do coração. Voltar, sim. Porque ninguém se perde na volta. Mas retornar com o desenho de um novo sonho na cabeça e a lembrança bem guardada nos fios da memória.
De volta às espumas do mar, com a imensa satisfação e o enorme privilégio em perceber que todo o dia findaria com o prazer da boa companhia e em poder expressar ou extrair da sabedoria o maior gesto entre amigos queridos. Felicidade não tem preço e nem tem hora ou lugar para florescer.