Cuida de ti
do teu coração
das tuas horas
As areias do tempo já escorrem
Relógio de água
Ritmo de vida
Tempo
E um dia, ao olhar no espelho, eu as descubro. Rugas cheias de profundidade e histórias. Fazem par perfeito com os cabelos que se fazem fios de inverno. Olho para elas com algum carinho e nenhum medo. São o retrato do que experimentei, são o pergaminho em que escrevi o relato da minha vida.
Vejo meu rosto mudando aos poucos, o contorno do queixo se tornando mais fluido, a pele perdendo o viço enquanto a mente está ainda tão jovem, tão cheia de risos e tolices, inconsequências e minúsculas inquietações.
Este é um tempo em que a morte parece espreitar mais de perto, estreitando uns olhos de cobiça e ironia em minha direção. Tudo conspira para lembrar que o tempo escorre, desliza e escoa pelas vielas de uma dimensão da qual nada sei.
Pai e mãe já se foram (e me deixaram marcada a fogo pela finitude), os filhos já perderam aquele ar que traduz infância. Espicho os olhos para o imenso mundo e me vem uma súbita vontade de saber tudo dele, mas junto nasce uma aguda certeza: não há mais tempo. Jamais houve. Hoje gosto mais de olhar coisas, bichos, pessoas — recortes do mundo vastíssimo. Meu olho se sacia e corrige, sorrindo, a vontade tola de decifrar a grande esfinge planetária.
Logo não haverá aqui traços de mim. Ninguém saberá de minhas histórias, das lembranças que cultivei, ou meus pratos favoritos. Mesmo assim, o mundo fluirá como sempre — risonho, perverso, generoso ou assustado. E eu?
Eu sigo, simples e suave, certa de que a beleza de tudo isso está no caminho que se percorre e no prazer que se instala no peito naquele exato instante em que sorrio.