Por trás da voz pausada e mansa e do olhar furta-cor – ora azul, ora esverdeado, está a professora, escritora, crítica literária, e a ...

A sábia inquietude da professora imortal

Por trás da voz pausada e mansa e do olhar furta-cor – ora azul, ora esverdeado, está a professora, escritora, crítica literária, e a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Paraibana de Letras (APL), Ângela Bezerra de Castro. Pela curta descrição do seu currículo, logo se percebe que trata-se de uma paraibana de personalidade diferenciada, o que se comprovará ao longo dos relatos sobre sua trajetória de vida. No dia 1º de outubro, ela completou oito décadas de existência, anos estes que reúnem momentos de muitos desafios, aprendizado, superação, conquistas, alegrias e uma constante luta em busca de seus objetivos.

Uma mulher que, mesmo tendo de se separar do pai biológico antes de um ano de idade, de ter chorado pelas perdas promovidas pela Ditadura Militar e de precisar conciliar, ainda jovem, as aulas na universidade com os dois turnos de trabalho para ajudar a mãe no orçamento doméstico,
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não se rendeu diante dos obstáculos que o destino lhe impôs. Ao longo da caminhada, certamente, não lhe faltaram pesares. Mas, estes, foram subjugados pelo acalento da família, pelos braços amigos que a acolheram e pelo vasto saber que ela tanto perseguiu e acumulou, instrumento este que a fez marcar seu nome na cultura paraibana.

Apesar de bem nascida, Ângela Bezerra não foi criada em berço de ouro. A mãe, Miriam Carneiro da Cunha, casou-se bem jovem, recém-saída do internato do Colégio das Neves, indo morar em Bananeiras. O casamento, porém, não deu certo, porque o casal tinha “incompatibilidade de gênios”.

Passado mais de um ano do matrimônio, alguns parentes de Miriam foram visitá-la. Porém, qual foi a surpresa deles ao chegarem na residência e serem proibidos de adentrarem na casa. “Ela não pôde abrir a porta, estava em cárcere privado. Eu já era nascida, tinha 11 meses, e minha mãe estava grávida do meu irmão. As pessoas que foram visita-la eram primos do meu avô e ficaram horrorizados. Notaram minha mãe muito magra e abatidíssima. Aí disseram: ‘sinhozinho não deve estar sabendo disso’. Então, mandaram uma carta para meu avô materno por meio de um portador a cavalo contando o ocorrido”.

P.M.A.
Quando o avô de Ângela, José Leão Carneiro da Cunha, recebeu a notícia, não tardou em alugar um caminhão e sair da Fazenda Confusão, onde morava, no município paraibano de Araruna, rumo a Bananeiras, para buscar a filha Miriam. Ao chegar na residência, José Leão teria chamado o genro e falado: “Vim buscar minha filha, porque não a criei para ser maltratada por ninguém”. E assim, Ângela e o irmão, José Leão Carneiro da Cunha Neto, passaram a infância em companhia dos avós maternos e da mãe na Fazenda Confusão.

A partir daí, a relação com o genitor foi cortada. “Eles tinham incompatibilidade de gênios e toda referência que tenho de família é por parte de mãe”, disse Ângela. Em entrevista ao Correio das Artes, não foram poucas às vezes em que a paraibana se referiu ao avô José Leão como “Papai”, também demonstrando imensa afeição pela avó, Josefa Ferreira da Costa Carneiro da Cunha. “Meu avô foi o melhor pai que alguém poderia ter. Ele e minha avó eram loucos por mim. Além dos dois, os meus tios me deram todo carinho do mundo, sem me estragar”, declarou.

Foi na Fazenda Confusão que os dois irmãos foram alfabetizados, fizeram todo o curso Primário, juntamente com os moradores do local, em uma escola rural que funcionava dentro da propriedade – a Escola Estadual Rudimentar Mista de Confusão. A professora era a mãe de Ângela, Miriam Carneiro da Cunha, ser humano forte, um verdadeiro exemplo de mulher para a filha.

Acervo familiar
“Fui criada por duas mulheres muito fortes. Minha mãe valorizava muito a independência, o saber, e toda vida ela exerceu o papel de mãe. Quando eu era bem pequena, comecei a chamar minha vó de mãe, mas ela disse não, porque era ela quem dirigia a vida da gente. Minha mãe era uma heroína, uma lutadora”, salientou.

A avó, Josefa Ferreira da Costa Carneiro da Cunha, também valorizava a educação e o conhecimento. Entre as recordações da infância, Ângela contou que Josefa costurou para ela um pijama de flanela, estampado com letrinhas, o que a incentivou a ler, aos quatro anos de idade. “Ela dizia que o saber era a maior riqueza da vida”.

Depois do curso Primário, chegou o momento da pequena Ângela se afastar da convivência em família e foi encaminhada ao colégio interno. Primeiro foi para o Colégio Santa Gertrudes, de freiras alemãs, em Olinda, onde passou poucos meses interna e fez o curso de admissão, sendo aprovada com “ótima” classificação. Com a dificuldade da distância entre Paraíba e Pernambuco, ela foi matriculada em outro colégio interno, também de freiras, no município de Guarabira.

Lá, Ângela estranhou muito a rigidez da disciplina. Para se ter ideia, aos 11 anos de idade, a menina tinha de passar o dia todo uniformizada, com meias compridas, blusas de magas compridas, gravata, saia e calçado, o que lhe causou grande sofrimento por causa do calor e incômodo que sentia. “Eu chorava muito e quando mamãe ia me visitar, pedia para sair de lá”, confessou.

As aulas do curso ginasial tiveram continuidade em João Pessoa, no Colégio das Neves, também religioso, quando a mãe e o irmão deixaram a fazenda para morar na capital do Estado. Os estudos transcorriam bem, mas Ângela não se adaptava à rigidez do colégio de freiras.

Ao se aproximar do mês de dezembro e já pensando no ano letivo subsequente, a jovem tomou uma decisão que já comprovava sua personalidade forte e decidida. Sem o conhecimento da mãe, fez o exame de seleção para estudar no colégio Liceu Paraibano, escola mista, pública, onde os alunos gozavam de mais liberdade para expor seus pensamentos e que reunia muitos dos melhores professores da época. Ao ser aprovada, ela só comunicou o fato à mãe, Miriam.

“Eu já era rebelde e não tolerava colégio de freiras. Estudei só o terceiro ano do Ginásio no Colégio das Neves. Minha mãe não queria de jeito nenhum que eu estudasse no Liceu, mas teve de aceitar, porque eu falei que se não fosse para lá, eu não ia estudar mais. E o Liceu foi o colégio dos meus sonhos. Lá terminei o quarto ano do Ginásio e fiz o ensino Clássico”.

Após o curso Clássico, Ângela Bezerra de Castro prestou vestibular para Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
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uma das poucas mulheres paraibanas que se encorajavam a ter tal formação naqueles tempos, já que na época as turmas eram predominantemente masculinas. “A primeira turma de Direito com várias mulheres foi a minha, antes era uma ou outra na sala. Queria falar bem, e achava que só falava bonito quem cursava Direito. Tomei a decisão por esse curso muito cedo e achava que era minha vocação. Mesmo assim, foi uma das melhores épocas da minha vida, tive uma convivência maravilhosa com muitos amigos e professores. Faria tudo de novo”.

Como dizem que nada na vida é por acaso, foi durante o curso de Direito que ela teve a primeira experiência com a profissão que jamais abandonaria, que a acompanhou por grande parte da vida: a de professora. O convite chegou sem Ângela esperar, por meio do professor da disciplina de “Direito Romano”, o saudoso Afonso Pereira.

“Um dia ele me chamou e disse: ‘Venha cá. Olhe, você vai me substituir no Colégio Solon de Lucena, porque eu não quero mais ensinar Latim’. Aí eu quase desmaiei. E comecei assim, ensinando Latim à noite, para adultos. Tomei gosto pela profissão e a escola tomou gosto por mim. No ano seguinte, me ofereceram turmas de Português e aceitei. Pela manhã eu ia para a universidade, à tarde e à noite eu ia dar aula. Queria ajudar minha mãe, que era uma lutadora”.

Até então, não existia concurso para a função de professor, o primeiro que apareceu foi em 1968, para a Escola Técnica Federal da Paraíba, atual IFPB, local onde Ângela lecionou por 12 anos.

Apesar de ser escritora, formada em Direito e destacar-se na crítica literária, ela afirma que “a profissão de professor é a mais digna que existe”. “Quando vejo os alunos que tive, o quanto eles são vencedores e o quanto eu contribui para o que eles são hoje, isso é maravilhoso. Você saber dar orientação para que aquela pessoa cresça, se aperfeiçoe, desenvolva suas potencialidades, isso é muito grandioso, é o nosso maior pagamento”.


As perdas trazidas pela Ditadura Militar

Ao longo da vida, a postura de Ângela Bezerra de Castro nunca foi de uma pessoa conformada com situações que não a agradavam. Nem mesmo quando era criança se rendeu ao desejo da mãe, a quem tanto amava, de concluir os estudos em colégio de freira. Ela sempre lutou pelo que desejava e tinha como ferramenta uma coragem indiscutível e a contínua busca pelo saber. Por ser uma pessoa politizada, culta, bem relacionada com importantes mestres de sua época e rodeada de alunos, ela não passava despercebida. E não demorou em chamar a atenção dos militares, em plena ditadura da década de 1960, sendo denunciada para o Regime Totalitário como “agitadora de massas”.

Com isso, teve de responder a dois inquéritos diante dos repressores. Segundo ela, a denúncia foi feita por uma professora de uma escola estadual de Cruz das Armas, em João Pessoa. “Essa professora disse que eu era comunista, agitadora de massas. Isso porque eu era uma pessoa participativa, estudiosa, sempre ia na faculdade, tinha grupo de estudos na minha casa, participava de olimpíada, corria e fazia salto de extensão e era da política. Respondi a dois inquéritos, fiquei com a ficha suja, mas não fui presa”, afirmou.

Rafael Passos
Um dos episódios que lhe marcou nestes difíceis anos da Ditadura Militar foi o dia em que teve de responder a um dos inquéritos. Era o primeiro dia de Ângela como professora na Escola Técnica Federal da Paraíba. Ela saiu do interrogatório e foi direto para o colégio, ainda abalada. “Era uma situação muito tensa e cheguei na escola chorando. Pensava que não ia ser mais aceita na escola. Mas, o diretor, doutor Itapuan Bôtto Targino, era uma pessoa extraordinária, que se colocava acima dessas coisas. Ele só queria saber se o professor cumpria bem suas funções. E assim, ensinei na Escola Técnica Federal da Paraíba durante 12 anos”.

Foi também na Ditadura Militar que Ângela se submeteu a um concurso na UFPB, para ser professora na disciplina de Teoria da Literatura e, apesar de ter sido aprovada com uma das notas mais altas (9,3), demorou três anos para assumir a função. Tudo, por conta da perseguição do regime repressor, que a perseguia. Ela contou que um dos perseguidores era o reitor da UFPB e um professor de Teoria da Literatura. “Foi em 1973, e eu tinha feito o concurso justamente para ser assistente desse professor que havia me denunciado. Ele falou para o reitor que eu era comunista. Ficar sem assumir a função na universidade, mesmo tendo sido aprovada, me abalou demais”.

Somente em 1976, quando o novo reitor, Linaldo Cavalcanti, assumiu a função na UFPB, Ângela pôde ocupar o lugar que lhe era de direito. Cavalcanti desengavetou os processos pendentes no Campus e no dia 28 de dezembro daquele ano, poucos dias antes do Ano Novo, uma ligação da UFPB dava a boa nova à paraibana. “Quando recebi a ligação, pensava que era um trote, e disse que não fizessem isso comigo, porque eu já havia sofrido muito. Mas, era tudo verdade, e consegui ser professora da universidade”.

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Outra consequência do regime autoritário na vida de Ângela foi o fato de o irmão dela, José Leão Carneiro da Cunha Neto, ter ido embora da Paraíba porque não conseguia progredir profissionalmente. Formado em Economia, ele fez dois concursos mais não foi chamado. Nessa época, a família era constituída pela mãe Miriam, e os dois irmãos. “Então, ele foi embora para o Rio de Janeiro, e ficamos somente eu e mãe. Ele não voltou mais a morar na Paraíba, depois foi para Brasília e lá constituiu família. Essa foi a maior perda para mim deixada pela Ditadura, porque éramos muito próximos”, lamentou.

Ao relembrar a trajetória desses 80 anos de vida, dos desafios e méritos alcançados, Ângela não demonstra nenhum resquício de tristeza. “Eu me sinto uma pessoa feliz, realizada, que não viveu em vão, que recebeu muito da vida e que soube ultrapassar o que era difícil, o que era ruim e triste, e soube valorizar sempre o que era positivo e bom, que era o amor”.


Perfil humano e profissional registrados em livro

Ao sabor do diálogo. Esse é o nome do livro lançado no último dia 30 pela professora Ângela Bezerra de Castro, uma coletânea que traz um perfil humano e profissional da paraibana. A obra foi apresentada durante uma comemoração feita para um grupo seleto na casa de eventos Sonho Doce, em João Pessoa, em celebração antecipada aos 80 anos de vida da escritora. As mais de 340 páginas reúnem 96 textos feitos pela própria Ângela e por 50 amigos, entre jornalistas, escritores e confrades.

Uma dessas pessoas é o escritor, jornalista e diretor de mídia impressa da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), William Costa. “O livro Ao sabor do diálogo chega em boa hora, vez que compõe, com mais perfeição, por usar paleta de múltiplos tons, manejada por espíritos sinceros e criativos, o retrato dessa mulher extraordinária que é Ângela. A obra traça um extraordinário perfil dela, e nele vislumbra-se, também, a silhueta da própria vida”, frisou.

Durante o evento, o livro foi apresentada pelo presidente da Academia Paraíba de Letras (APL), Ramalho Leite, que entregou à aniversariante a Comenda Oscar de Castro, outorgada pela APL. “O que se disse sobre Ângela, na sua atividade multifacetária, resultou no livro Ao sabor do diálogo, comemorativo dos seus 80 anos”, mencionou Ramalho.

A obra é uma coletânea de memórias, que ela reuniu no decorrer da vida. Cada conquista alcançada, fase vivenciada ou mesmo as características que se sobressaem da personalidade da paraibana foram registradas nas linhas que os amigos lhes dedicaram ao longo dos anos. Todo o material foi cuidadosamente guardado pela destinatária, como uma espécie de “preciosidade” que não tem valor material, mas que enriquece a alma. “Quando eu recebia um texto desses, ia colocando numa prateleirinha que eu tinha no meu gabinete, reservada para isso. Nem pensava no livro ainda, mas já sabia que aquilo era uma preciosidade que eu não podia perder. Quando se aproximou o aniversário dos meus 80 anos vi que tudo poderia resultar em um livro”, contou a professora.

ALCR
O prefácio da coletânea é de autoria do professor Sales Gaudêncio e o posfácio do cronista e jornalista Gonzaga Rodrigues. A ilustração da capa é uma reprodução da pintura O balanço da saudade, uma releitura do quatro A colheita do caju (1972), ambas feitas pelo artista plástico Flávio Tavares. O balanço da saudade foi dedicado a Ângela Bezerra de Castro, que é representada no quadro por uma menina de vestido azul. A iniciativa dessa pintura surgiu pela admiração que a professora tinha pela pintura A colheita do caju. “Eu sempre admirei esse painel que Flávio fez nos anos 70, que ficava no Banco do Brasil. Eu saía de casa apenas para olhar a pintura. Quando ele soube, teve a gentileza de fazer outra pintura para mim, e me colocou no desenho, que é uma menininha vestida de azul. Flávio chamou esse trabalho de O balanço da saudade, que é uma tela linda e bem colorida”.

A professora destacou que nunca soube o motivo pelo qual foi representada com um vestido azul. “Acho que foi para me destacar no meio das outras meninas da pintura, fez um tipo físico diferente, uma menina bem branquinha, bem impossível, pendurada no galho do caju”, imaginou.

Segundo o artista plástico Flávio Tavares, a questão cromática do quadro está relacionada à fusão de cores, já que a obra é composta por cores quentes e frias. “É uma questão da harmonia de cores. Ela (a menina de azul), como é uma figura central, e envolta têm outras figuras, fica orbitando como o planeta Terra no meio das cores. O azul também é muito emblemático sob o ponto de vista do céu e da Terra, porque o quadro tem uma composição um pouco triangular, mas é uma órbita, é mais um universo”, explicou o artista. A contracapa do livro cita um trecho de uma crônica do saudoso jornalista e advogado Luiz Augusto Crispim. “Ele era o meu amigo mais querido. Em homenagem a ele, coloquei parte dessa crônica, que tem cerca de 40 anos, chamada Esmeraldas verdadeiras, que fala dos meus olhos e da minha alma”, revelou.

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Entre os autores dos textos que constam no livro estão nomes como o de Martinho Moreira Franco, Carlos Romero, Odilon Ribeiro Coutinho, William Costa, Germano Romero, Hildeberto Barbosa, Sérgio de Castro Pinto, Kubitschek Pinheiro, Marília Arnaud, Walter Galvão, José Nunes, Juca Pontes e Gonzaga Rodrigues.

Nesse aniversário de 80 anos, Gonzaga Rodrigues fez questão de ressaltar o talento da amiga como crítica literária. “Sendo ela uma crítica, a serviço da clareza, ela se vale de um discurso poético. A crítica literária de Ângela é feita em linguagem literária. Isso para mim é o mais importante nela”, afirmou. Ele acrescentou que a professora tem um “discurso claro, escondendo a linguagem da teoria, que fica como instrumento de análise a serviço de sua sensibilidade poética”.

A inspiração para o título do livro veio após a professora escrever o texto Presente da vida, que também está na coletânea. “Depois que escrevi esse texto, vi que tudo era um grande diálogo, meu e dos escritores, um diálogo de muito valor. Vou fazer desse livro um grande presente dos meus 80 anos, porque ele é o meu perfil feito pelos meus contemporâneos, meu perfil humano e também intelectual”.

Lançamento – Ao sabor do diálogo (editora MVC/Forma), apresentada para um grupo seleto no dia 30 de setembro, terá outro lançamento para o público em geral. O local, segundo o editor e poeta Juca Pontes, será a Livraria do Luiz, em João Pessoa, mas a data ainda será definida, assim como o valor do livro.


Primeira mulher à frente da APL

O próprio significado do nome de Ângela, do latim “Angelus”, em português “anjo”, remete a um ser imortal, possível de existir apenas em um universo que está além da nossa realidade terrena. De alguma forma, quis o destino que ela fizesse jus ao nome, e fosse conduzida a uma forma de eternidade mesmo convivendo entre nós. E sob o consenso de seus confrades, diante dos méritos que conquistou na vida e, sobretudo da competência com que desempenhou cada função que exerceu, ela se tornou a primeira mulher a comandar a Academia Paraibana de Letras (APL).

“Demorou 80 anos para que uma mulher assumisse a presidência da Academia Paraibana de Letras. Foi uma conquista, mas não um objetivo traçado. E, por causa disso, tem ainda mais valor para mim. Eu não me candidatei, foram os meus confrades que me candidataram. A minha campanha foi linda, toda feita pelos jornalistas. Foi um reconhecimento da minha trajetória de vida, da minha dedicação ao texto do autor paraibano”, declarou Ângela.

Ela contou que na época, um grupo de 15 pessoas, formado pelos confrades e liderado pelo cronista Gonzaga Rodrigues, se mobilizou e organizou toda a campanha, divulgando o nome da professora, inclusive, na imprensa. “Não houve nem concorrente, porque não tinha espaço para outra chapa”, frisou.

E assim, em setembro de 2020, Ângela Bezerra de Castro foi eleita a primeira mulher a assumir a presidência da APL, com um mandato de dois anos. O vice-presidente foi o escritor Ramalho Leite.

“Seguindo os passos do tio Oscar de Castro, que presidiu a Academia por cerca de 25 anos, Ângela foi a primeira mulher a ocupar sua presidência. No seu mandato traçou diretrizes que a atual gestão vem implementando. Levar o conhecimento da APL à juventude estudiosa de nossa terra tem sido uma tarefa de elevado espírito público. Ela mesma ministrou curso para professores do Estado, enfatizando a prioridade da leitura em sala de aula e a obra de José Lins do Rego”, afirmou Ramalho, atual presidente da APL.

ALCR
O projeto de aproximar a APL das escolas, do ensino público, dos estudantes foi um dos objetivos da professora e escritora, mas infelizmente ela não pôde terminar o mandato. Em 2021, renunciou ao cargo por motivo de saúde, deixando a vaga para Ramalho Leite, que respeitou os propósitos que ela almejava seguir até 2022.

“Quando eu falei com o médico e disse a Ramalho que eu tinha que me desligar, eu fiquei colaborando com ele, que foi muito digno e continuou o projeto que eu tinha feito: essa aproximação da Academia com o ensino público. Nós damos cursos hoje para os professores do Estado, para que eles sejam multiplicadores; visitamos as escolas públicas dando conferências; e da mesma forma as escolas vão à Academia. E isso, Ramalho fez por mim. Foi muito lindo”, destacou.

Este ano, ao concluir o mandato iniciado em 2021, Ramalho Leite foi reconduzido à presidência da APL. Para ele, Ângela Bezerra é um exemplo de mulher franca e decidida. "Ela ‘foi moldada para não dizer o que não pensa’, no conceito de Gonzaga Rodrigues, que assino embaixo. Chegou aos 80 anos acumulando críticas e elogios, mas sobretudo, transformando o que aprendeu em lições de vida. Como professora, conquistou a admiração dos seus alunos e o respeito dos colegas”, enfocou Leite.


“Um modelo de mulher independente”

“ Ângela é uma pessoa singular. Percebi isso na primeira vez em que conversamos. Ela é sábia, destemida, generosa, bem-humorada, despretensiosa. Impossível conhecê-la e não amá-la”. A afirmação é da escritora Marília Arnaud, que também tem texto publicado na coletânea Ao sabor do diálogo.

@marilia.arnaud
E a primeira vez que as duas se encontraram foi no início dos anos de 1990, quando Marília era aluna do curso de Letras da UFPB e a professora Ângela tinha acabado de se aposentar. “Aldo Lopes (contista e romancista) me levou até a casa dela, e a partir desse dia nunca mais deixamos de nos ver e conversar. Somos grandes amigas”, afirmou Marília.

A trajetória no magistério, seguida por Ângela, é vista por Marília como inspiradora, que a considera um “modelo de mulher independente, feminista - embora não militante, que conquistou seu espaço com os próprios méritos”. Segundo ela, a “professora nata” encontrou na sala de aula o espaço para exercitar o amor pelo próximo e pelas palavras, mesmo em um país onde o ensino não é reconhecido. “Só os generosos e altruístas conseguem ser bons professores. É difícil o exercício do magistério em um país em que a Educação é menosprezada pelos governos, em que se ainda tem um número alto de analfabetos, sem falar no analfabetismo funcional que reina por aqui”.

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O escritor, jornalista e diretor de mídia impressa da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), William Costa, também destacou o amor e dedicação que a paraibana sempre demonstrou pelo ato de ensinar, de transmitir o saber para o próximo. Ele frisou que o magistério para Ângela é mais que exercer uma profissão, é cumprir uma verdadeira missão, dedicar-se a uma espécie de sacerdócio. “Ela tem consciência da importância de dividir - sim, educar é também uma maneira de compartilhar – o conhecimento e a sabedoria com outras pessoas, principalmente os jovens, capacitando-as para a realização pessoal e o exercício crítico da cidadania”.

Segundo William, como professora, Ângela se rege pelo signo da competência, sendo uma das profissionais da educação mais qualificadas que ele conhece. Exerceu o magistério por meio de uma pedagogia cujos lastros são o conhecimento adquirido nos cursos do magistério, a leitura e a experiência de vida. Que, para ele, também é bastante relevante, “embora muita gente não leve isso em conta”. “Ela ensina e aprende ao mesmo tempo. Talvez seja esse o segredo”, acrescentou Costa.

A generosidade desta mulher paraibana, porém, não está apenas no ato de ensinar, mas na postura afetuosa para com os mais chegados e de se doar às verdadeiras amizades. “Mas ninguém se iluda, a proximidade, seja em que grau for, não dá a ninguém o direito de ferir suas crenças ou desrespeitar seus princípios. Nesse ponto, ela não transige. E tem a coragem de dizer as coisas olho no olho. Detesta mentiras, dissimulações, ou seja, não concorda absolutamente com a velha mania de ‘falar pelas costas’”, completou William.

Como crítica literária, área em que Ângela Bezerra se destaca na cultura paraibana, William afirmou que a professora e escritora faz uso de parte dos instrumentos de análise e interpretação de textos que herdou de seus mestres, a exemplo de Juarez da Gama Batista, como também de arcabouços teóricos contemporâneos, de comprovada eficácia no ambiente acadêmico. “Para se ter melhor ideia da estatura de Ângela, como crítica de literatura, recomendo a leitura de seu livro, Releitura de A Bagaceira: uma aprendizagem de desaprender”.

Marília Arnaud também não deixou de comentar esta faceta da amiga que, segundo ela, é muito rigorosa no julgamento do texto literário e que “abrilhanta a Academia Paraibana de Letras com a sua lucidez, assertividade e despojamento”.

Nessas oito décadas de vida de Ângela Bezerra de Castro, Arnaud declarou que a cultura e a literatura paraibanas devem muito a esta mulher que, do alto dos seus 80 anos, ainda está em sala de aula, debatendo os textos de autores paraibanos, com os professores da rede estadual de ensino. “É grande, sabe que é, mas não perde a simplicidade da menina brejeira que ainda encontro nela”, mencionou.


Vida dedicada à cultura

A professora, escritora e crítica literária Ângela Bezerra de Castro nasceu em Bananeiras, mas passou toda a infância no município paraibano de Araruna. Adolescente, veio morar em João Pessoa com a mãe, Miriam Carneiro da Cunha e o irmão, José Leão Carneiro da Cunha Neto. Até que durante a Ditadura Militar José Leão Neto foi embora para o Rio de Janeiro, ficando Ângela na companhia da mãe até a morte dela, há quatro anos. Solteira, dedicou a vida às letras, à cultura e à missão de lecionar.

É graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em Licenciatura em Letras Vernáculas (UFPB), tem mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica e Doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Entre os reconhecimentos que recebeu estão o Prêmio José Américo de Literatura (1987); Medalha Augusto dos Anjos e o Mérito de Serviços Literário da Academia Paraibana de Letras.

É autora de Um Ponto no Infinito Comum; Releitura de A Bagaceira -Uma aprendizagem de desaprender; Coletânea de Autores Paraibanos; Fortuna Crítica - José Lins do Rego e Um Certo Modo de Ler.

Atuou no serviço público, sendo nomeada superintendente da Escola de Serviço Público do estado da Paraíba e membro do Conselho Estadual de Cultura. Também foi secretária adjunta da Educação do Estado e coordenadora da Escola Superior da Magistratura (Esma).


Vida pessoal

Mesmo não tendo filhos naturais, Ângela Bezerra de Castro considera uma prima legítima, Ana Augusta, como a filha do coração. “Aninha faz o papel de filha. A mãe dela morreu quando ela tinha 14 anos e ela me chama de tia. Considero a filha dela, Thaís, como minha neta”, afirmou Ângela. Atualmente, a professora mora no bairro de Tambaú, em João Pessoa, onde recebe os amigos, familiares e desfruta da companhia do gato de estimação chamado Leãozinho.

*Texto publicado originalmente no Correio das Artes


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