Que bom ter o amigo Germano Romero se lembrado da extinta Great Western ao percorrer, com os seus, os caminhos de ferro da Europa, em viagem de tão bom proveito.
Que bom ter reclamado a volta dos trens que tanta falta fazem à vida dos brasileiros e a um processo econômico que hoje se move em lombo de caminhão. Isso, com sabidos e dolorosos custos: o impacto dos fretes no salário nosso de cada dia, a superlotação das rodovias e a violência do trânsito que em tempos de paz tem por aqui saldos de guerra. Um desses relatórios da Confederação Nacional dos Transportes contabiliza quase 90 mil mortes por decênio.
Que bom ter reclamado a volta dos trens que tanta falta fazem à vida dos brasileiros e a um processo econômico que hoje se move em lombo de caminhão. Isso, com sabidos e dolorosos custos: o impacto dos fretes no salário nosso de cada dia, a superlotação das rodovias e a violência do trânsito que em tempos de paz tem por aqui saldos de guerra. Um desses relatórios da Confederação Nacional dos Transportes contabiliza quase 90 mil mortes por decênio.
Bom, também, que se tenha referido a meus percursos de menino quando muita coisa já me escapa da memória. Não lembro, por exemplo, do nome do moço que entrava na padaria do meu pai, em busca dos pães diários, com farda e boné da Great Western. Ouvi que era guarda-freio e que o seu trabalho consistia em atrelar e desatrelar vagões ou, ainda, mover a agulha: aquele conjunto de peças destinado a desviar o trem de uma linha para outra. Aos meus nove ou dez anos, aquele fardamento me parecia coisa de gente importante, de máxima autoridade.
Também esqueci o nome do agente da Estação de Pilar. Tenho uma vaga memória do casal de filhos que ele possuía. A menina, branquinha e bonita, frequentava a Igreja Batista. Guardei, porém, o nome do irmão. Chamava-se Rildo e dividia conosco, os colegas de cuja idade se aproximava, os bancos do Grupo Escolar Dr. José Maria. Ensinou-me a escrever “Tuta”, meu apelido, em Código de Morse, aquela linguagem feita de traços e pontinhos.
Quando meus pais me encaminharam para os estudos no Recife era por trem que eu fazia as viagens de ida e volta: duas no começo e fim das férias escolares de dezembro e, outras duas, nas de junho. Posso citar de cor e salteado cada ponto daquele percurso. Saindo de Pilar, o trem passava pelas Estações de Itabaiana, Rosa e Silva, Timbaúba, Pureza (guardemos esse nome), Aliança, Baraúna, Ipatininga, Junco, Nazaré da Mata, Tracunhaém, Carpina, Pau d’Alho, Mussurepe, Pirassirica, Tiúma, São Lourenço da Mata e Coqueiral, onde eu descia.
Vários desses pontos não iam além de simples paradas em zona rural a serviço, notadamente, do transporte de açúcar produzido por usinas da região. Ao todo, cinco horas de viagem, com direito a vagão-restaurante. Os de passageiros tinham bilhetes de primeira e segunda classes. Os de carga ficavam sempre no rabo do comboio.
Lembro dessas viagens com muita saudade e, emoção à parte, entendo, hoje em dia, que o abandono e sucateamento do sistema ferroviário representa um crime de Lesa Pátria. Que o diga um Brasil com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, gargalos logísticos longe da solução, fretes rodoviários a custos exorbitantes, estradas cheias e inscritas entre as mais violentas do planeta.
Li que a Estação de Pilar foi inaugurada em 1883, depois de completado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Conde D’Eu, iniciado na Capital. Pilar ficou como ponta de linha até 1901, ano em que entrou em operação o ramal que a uniu a Pernambuco. O prédio, tombado em 2001 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba, serve de moradia para uma família. Dos males o menor, pois não fosse isso, certamente, já teria ruído.
O trem, criminosamente subtraído da economia nacional e da vida em comum, ainda preenche as melhores lembranças de milhões de brasileiros. Devo a ele, inclusive, a família que constituí. Foi por trem que Dona Miriam deixou Nova Cruz, no Rio Grande do Norte, para os estudos e o trabalho em João Pessoa. Desembarcou na minha rua e me deu três filhos.
Falar desses trens é falar, ainda, do pilarense José Lins do Rego. Há pouco, pus os olhos em fotografia antiga na qual aparece por inteiro a estaçãozinha edificada pela Usina Cruangi, nos Limites de Timbaúba, Pernambuco. Esse pequeno prédio, inaugurado em 1883 e posto a serviço da Great Western, deu título e ambiente ao livro que, a meu modestíssimo ver, revelou o romancista vigoroso, o criador admirável de tipos e tramas que alguns duvidavam existir em Zé Lins.
O romance “Pureza”, ambientado nessa beira de linha, nesse rabo de mundo e centrado em meia dúzia de personagens, desmentiu o grupo de críticos que viam no escritor paraibano qualidades não muito além das reservadas a um bom contador de histórias. O autor de “Pureza” não se socorreu, porém, de memórias da infância nem de qualquer enredo chegado aos ouvidos nos saraus do Engenho Corredor. Ao invés disso, criou do nada um magnífico conjunto de figuras humanas, paisagens, cores, dores e dramas. Grato, Germano.