Há algum tempo, escrevi sobre Manelito Vilar, que havia falecido em 28 de julho de 2020, em plena pandemia. Intitulei meu texto, que fo...

Seu Dedé

Há algum tempo, escrevi sobre Manelito Vilar, que havia falecido em 28 de julho de 2020, em plena pandemia. Intitulei meu texto, que foi publicado neste mesmo ALCR, de “Um herói paraibano”, e até hoje essa crônica apologética dedicada ao grande empreendedor na área do agronegócio em nosso Estado teve meu recorde de “curtidas” dos leitores: mais de trezentos polegares para cima. Fiquei surpreso com essa reação, não manifestada até então com tanta ênfase, mas depois compreendi a razão do entusiasmo: não foi exatamente o texto e sim o personagem-tema que mobilizou as mais diversas admirações e cumprimentos.
Acervo familiar
Manelito é que era o tal, eu fui apenas o levantador da bola, como se diz. E para quem ainda não se situou na conversa, não custa lembrar que Manelito Dantas Vilar foi, entre outras coisas, um célebre fazendeiro, pecuarista e industrial de Taperoá, primo de Ariano Suassuna, que revolucionou o chamado agronegócio na região do cariri paraibano, mostrando, concretamente, o potencial econômico daquela área, desde que trabalhada com afinco, responsabilidade e competência. Em sua propriedade, ao contrário de suas vizinhas, as plantas frutificavam, os bichos engordavam e o que era produzido gerava, além de empregos, renda e lucro, um verdadeiro cartão-postal de bonança no meio de muita seca e desalento.

Claro que a afamada simpatia pessoal de Manelito também contribuiu para a calorosa acolhida do texto, mas ele só se tornou “herói” e exemplo por conta de seu empreendedorismo bem-sucedido, principalmente numa região carente desses personagens míticos.

Agora quero falar de outro herói empreendedor, desta vez de nossa cidade, que nos deixou recentemente. Refiro-me a Seu Dedé, proprietário e fundador do Supermercado Manaíra, hoje em acelerada fase de expansão comercial para outros bairros da capital e símbolo do absoluto sucesso de um negócio que começou modestamente e que cresceu na base do trabalho sem tréguas, do profissionalismo e, por que não?, de muita sorte, esse fator incerto mas determinante, não só nos negócios mas em tudo na vida, como sabemos.

Seu nome de batismo é (continua sendo) José Leocádio de Souza. Mas quem o conhecia por este nome? Seu Dedé foi quem assumiu, de uma forma bem nossa, nordestina, informal e afetiva, o lugar de José Leocádio no imaginário de sua extensa clientela praiana, transformando-o em quase membro da família de seus fregueses fiéis. Muitas pessoas de nossa orla marítima não dizem “vou ao supermercado” e sim “vou em Seu Dedé”, prova inconteste do hábito consumidor que vai passando de pais para filhos, com a naturalidade das coisas repetidas.

Nascido em Serra Redonda, ele veio para João Pessoa muito cedo e já começou trabalhando com a venda de verduras no Mercado Central, tudo numa escala muito modesta. Depois é que
Acervo familiar
abriu uma loja com os mesmos produtos no bairro de Manaíra, base de seu posterior crescimento, até sua transformação em sólido supermercadista e num dos líderes desse setor na cidade, em vias de inaugurar uma megaloja no Altiplano. Ou seja, uma trajetória de trabalho, dedicação e êxito admirável, num ramo sabidamente dominado por poderosos grupos regionais e nacionais, e em que a concorrência é feroz. Infelizmente, não são muitas as histórias semelhantes em nosso meio. É muito provável que os seus antigos colegas do Mercado Central continuem lá, na labuta pelo pão.

Seu Dedé partiu precocemente, aos 72 anos. Poderia, em tese, perfeitamente ter vivido mais 20 e continuado a crescer e a gerar empregos e riquezas. Mas teve tempo, felizmente, para ver o êxito de seu esforço e receber, em dezembro do ano passado, o reconhecimento público na forma da cidadania pessoense, concedida por nossa Câmara Municipal. É uma pena não ter chegado a inaugurar a nova filial do Altiplano, mas essas coisas são assim mesmo, sabemos: não temos controle sobre elas. Partiu também sem saber quem será o próximo presidente do Brasil. Não sei em quem ele votaria. Mas uma coisa sei: pouco importaria para ele quem vai governar o país a partir de 2023; empreendedores de sua estirpe não dependem nem precisam de benesses de governo nenhum, qualquer que seja. Acordam cedo e vão ganhar seu dinheiro trabalhando e descobrindo oportunidades – nem se lembram de que Brasília e suas mazelas existem.

Seu Dedé recebendo título de Cidadão Pessoense
É licito imaginar que os seus fidelizados clientes tenham recebido a notícia de sua partida como a de um parente próximo, mesmo que não o tenham conhecido pessoalmente, como é o meu caso. Seu nome era familiar a muita gente, era ouvido talvez diariamente em casas e apartamentos pela cidade afora, pois, de certa forma, tinha se incorporado à paisagem humana municipal. E o seu nome continuará a ser invocado nos lares pessoenses, já que, presume-se, os clientes continuarão a ir a “Seu Dedé”.

Toda história de vitória pessoal dos mais modestos me empolga. Elas me fazem acreditar no Brasil. Há poucos dias, um adolescente indígena, de Baía da Traição, contra todas as expectativas, passou no vestibular de Medicina na Universidade de Brasília. Vibrei demais. Bato palmas para quem vence honestamente, sem falcatrua nem corrupção, superando as barreiras iniciais.

Seu Dedé trabalhou demais, de domingo a domingo, sem feriado nem fim-de-semana. É possível que tenha usufruído pouco do muito que conseguiu amealhar com o suor do rosto. Que agora descanse em paz esse também reconhecido herói paraibano, desbravador de caminhos. Ele merece.

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  1. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏🧵✂️🪡

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  2. E isto mesmo, caro Gil.
    Lembro-me bem, quando voltei a residir no Manaíra, da "venda" de'sêo' Dedé, onde nos abastecíamos.
    Como moradores próximos e seus clientes, circular pelos corredores (gôndolas, para os iniciados no sistema), sempre exibindo produtos de boa qualidade e, muitas vezes, novidades recém-chegadas no mercado.
    Foi um pioneiro.
    Parabéns pelo registro, merecido.

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