Antigamente os apaixonados faziam pactos de morte. Conscientes de que o tempo é o maior inimigo da paixão, procuravam escapar a ele por uma via radical: tirando a própria vida. Às vezes isso dava problema, pois nem sempre um dos dois (ou ambos) queria mesmo morrer…
O local é um terreno ermo, iluminado brandamente pelo luar. Eles vão serenos, de mãos dadas, curtindo aqueles últimos momentos juntos.
O local é um terreno ermo, iluminado brandamente pelo luar. Eles vão serenos, de mãos dadas, curtindo aqueles últimos momentos juntos.
- Cometeremos um duplo suicídio. Com isso evitaremos comentários maldosos, como o de que houve crime passional.
- Está bem. Você escolheu faca ou escopeta?
- Escopeta. Faca pode não matar de uma vez. E é sempre mais doloroso.
- Concordo. Também escolhi escopeta.
Estão decididos. Morrerão juntos, cada um perfurando o próprio coração (tinha que ser esse órgão cheio de simbolismo!). Preparam-se, aproximam a arma do peito.
- Espere - ele diz.
- O que foi!?
- Não consigo atirar em mim. Prefiro que seja você a fazer o disparo.
- Eu, lhe matar? Nunca! Não tenho coragem.
- Você faria isso?!
- Então eu lhe mato.
- Em condições normais, claro que não. Mas agora alguém tem que tomar a iniciativa.
Ficam um tempo nesse dilema.
- Tenho uma ideia melhor – ele volta a falar, com a expressão vitoriosa de quem encontrou um meio de saírem do impasse. – Um atira no outro. Deixaremos este mundo cruel ao mesmo tempo. Fiéis na vida e na morte.
- É justo... Mas tem que ser ao mesmo tempo. Se alguém atirar primeiro, pode morrer apenas um dos dois. E o que restasse seria um sobrevivente a chorar pelo resto da vida a perda do que se foi.
- Sobreviverá quem tiver melhor pontaria – ele comenta meio sem querer.
- É verdade – ela concorda, pensativa. Por sinal, você é campeão de tiro ao alvo.
- Fui. E faz tempo que não treino.
- Mas a possibilidade de você me acertar é bem maior. E como não tem coragem de se suicidar, seria você o sobrevivente.
- Eu?! Vendo você morta, eu encontraria forças para tirar minha vida.
- E se não encontrasse? Me enterraria, choraria por algum tempo e depois...
- Depois o quê?!
- Depois me esqueceria. No começo ia ser difícil, concordo, mas não há nada que o tempo não apague.
O tempo! Sempre ele! Iam morrer para escapar do tempo, que agora aparecia como razão para um dos dois querer viver.
- Desistiu do pacto? -- ele pergunta, com uma ponta de ansiedade.
- Penso nisso depois. Antes, por via das dúvidas, vou tomar umas aulas de tiro ao alvo.