Se me perguntassem o que mais humilha o ser humano, eu responderia sem pestanejar (epa!): “É o tique.” Mais do que a inveja, a luxúria ou o arroto, é ele que nos deslustra até o ridículo. Nos converte em autômatos de compulsões mesquinhas, de impulsos que estão muito longe das pressões extremas que acometem o espírito do homem.
Confessa-se um crime, um pecado, um gesto indecente – mas quem confessa um tique? Não vale a pena. Na fitografia das faltas humanas, ele é erva daninha que não merece registro. Como dizer ao padre, ou ao analista, que é preciso torcer o rosto ao passar por determinado aposento a certa hora da noite?
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Mas não confundam: o tique não é o cacoete. Muito menos é a gatimonha ou a superstição. O cacoete é mais linguístico. A gatimonha, fisionômica. A superstição corresponde a um domínio que todo homem, mesmo o intelectual e o cientista, reconhece como inevitável: a esfera da concessão ao mistério e até ao sobrenatural, efeito da nossa insuficiência para a compreensão do cosmo.
Ora, o que define o tique é justamente a forma como, em determinadas pessoas, se realiza a superstição. O tique é a caricatura da liturgia, o ritual com que o nervoso esconjura malefícios diabólicos ou sanções divinas. Se a função da religião é “religar-nos” com o plano do Além, no tique os fios parecem invertidos e provocam curtos-circuitos visíveis e cenicamente engraçados. Ele busca redimir pela humilhação. Pois qual o objetivo real dos passes, voltas e trejeitos senão expor o escravizado à suprema chacota? Assim ele purga, digamos, socialmente os seus pecados.
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– O carro só sai quando eu engrenar a marcha com os dentes, e acabou-se!
Ou então: – Mas comendador, o senhor vai tirar a fotografia de costas?
– Não uso medalhas na frente, não uso. Me faz mal!