“In the future everyone will be famous for fifteen minutes (No futuro todos serão famosos durante quinze minutos)”
Andy Warhol, artista multimídia norte-americano.
Andy Warhol, artista multimídia norte-americano.
Embora nunca tenha gozado do prestígio que suas irmãs desfrutam nos diversos bairros onde se situam, houve uma noite em que a Praça 2 de Fevereiro foi à forra, ao reunir uma quase multidão, que marcou época.
Como era usual naqueles tempos, a Praça 2 de Fevereiro pagava o preço da solidão que lhe era imposto, em virtude de sua localização frente ao “campo santo” mais concorrido da cidade — o Cemitério do Senhor da Boa Sentença, posição esta que dava margem aos comentários populares que lhe atribuíam liames com o além, dizendo que em noites das mais escuras, quando nem mesmo a parca iluminação fornecida pela RSEC — Repartição dos Serviços Elétricos da Capital conseguia minorar sua solidão, tornava-se ponto de encontro de seres etéreos.
Eram almas, muitas das quais ainda chorosas pela perda de seus corpos ali sepultados, fantasmas brincalhões que se divertiam pregando peças em alguns incautos transeuntes que por ali necessitassem transitar naquelas horas pouco recomendadas ao trânsito de viventes e, como não podia deixar de acontecer, assombrações, como o “bicho-papão” e o “papa-figo”, que voltando de suas rondas noturnas, ali baixavam seus matulões e se davam a alguns momentos de descanso e troca de impressões sobre os trabalhos realizados, quase sempre ajudando mães estressadas em sua luta diuturna de fazer seus pimpolhos pararem as brincadeiras de fim de tardes, recolhendo-se às suas camas, sem maiores reclamações.
Mas, “De repente, não mais que de repente...” (Vinicius de Moraes, in Soneto da Separação- 1938), a Praça 2 de Fevereiro viveu não seus 15 minutos de fama, mas um tempo bem superior.
Soara, há pouco, alarme popular informando que o Quartel estava pegando fogo. Rápida pesquisa do povaréu que circulava pelas ruas próximas, em busca de informações, logo teve a informação de que não era o quartel da Polícia Militar, mais próximo, mas o do 15º Regimento de Infantaria, localizado um pouco mais longe, mas que bem podia ser visto, em mirada direta, a partir dessa Praça.
Esqueçam-se as almas, os fantasmas e até as assombrações, escorraçadas da Praça pela multidão que rapidamente ali se formou, ocupando todos os espaços disponíveis — até mesmo na calçada, nos muros e grades do cemitério, todos em busca de melhores acomodações para ver o acontecimento, formando um agrupamento que só não teve mais brilho devido à falta dos tradicionais apoios a concentrações populares dessa ordem, representados pelos carrinhos de pipoca, algodão doce e sorvete em casquinha; balaios de laranja - já semi descascadas, e cachos de pitomba; e o manjar dos deuses: a raspadinha de groselha.
Acomodados todos, logo começa a se manifestar o fenômeno comunicativo fartamente estudado por comunicólogos, sociólogos, psicólogos e outros logos, estribados em cânones de sua cartilha denominada “Psicologia das Multidões”, com a parte feminina daquela multidão álacre trocando com sua vizinha ao lado até então desconhecida, as informações mais diversas, da panela que ficou no fogo às atrações que seriam apresentadas no programas de Jacy Cavalcante e de Gilberto Patrício, na Rádio Tabajara, no próximo final de semana. Apareceram, também, algumas preocupações mais diferentes, como o que poderia ter acontecido com o soldado Ezequias, com o Cabo Osmundo, com o Sargento Felismino ou até mesmo com o Capitão Haroldo, que ali serviam, como alguns bem lembravam.
A ala masculina, mais sisuda, entregava-se a preocupações outras, centradas nas possíveis causas daquela ocorrência, indo de uma vela acesa em uma de suas dependências, para reforçar a parca iluminação fornecida pela já mencionada RSEC, até à mais grave, que dava conta da possibilidade de ação de um ”quinta-coluna”, remanescente da Segunda Guerra, que vira a oportunidade de se vingar das duras derrotas sofridas nos campos de batalha da Europa.
Logo, esse clima de relativa cordialidade começou a se tornar apreensivo, dada a presença indispensável dos naturais boateiros propalando a informação de que o fogo logo atingiria o paiol de munições e, então, seria um “Deus nos acuda”, pois aquele local onde se encontravam estava no alcance de eventuais explosões que ocorressem. Logo, logo, essas apreensões se tornaram reais, pois começaram a se ouvir alguns estalos, interpretados como balas de fuzil disparadas a esmo pelo fogaréu que se avantajava, aproximando-se perigosamente do pressuposto paiol de munições do quartel. Este pensar se tornou ainda mais grave quando se viram chamas mais intensas e se ouviu um grande estrondo, compreendido como a explosão da munição mais pesada e potente, que tornaria uma triste realidade a informação há pouco espalhada. Foi o toque de recolher, pois ninguém se deu conta de que aqueles primeiros estalos eram apenas as telhas se partindo sob o calor das chamas e o grande estrondo — a explosão do paiol, na verdade, foi o teto do prédio, caindo como um todo.
Com este susto, a considerável multidão logo cuidou de se recolher à segurança de suas casas, devolvendo a Praça a seus ocupantes usuais e refazendo suas forças para a grande romaria a ser empreendida no dia seguinte, para visitar as ruínas do quartel, já deveriam, então, estar submetidas ao rescaldo do Corpo de Bombeiros.