Os institutos erraram. A frase estava em muitas mensagens que recebi na noite deste domingo (02), enquanto acompanhava e comentava a apuração na bancada da CBN. Isso é apenas transferência de uma responsabilidade que não é dos institutos de pesquisa. A frase, no fundo, dá conta da incapacidade que o eleitor tem de separar, pragmaticamente, o desejo da realidade, coisa que procuro fazer desde aquela eleição de 1989, quando Leonel Brizola – eu era brizolista – não foi para o segundo turno contra Fernando Collor, o candidato da direita, no ano em que os brasileiros, com o fim do ciclo militar, recuperaram o direito ao voto direto para presidente.
Se erraram ou não, isso não é o dado principal do que vimos ontem à noite. O principal é que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva não obteve votos suficientes para vencer a eleição em primeiro turno e, no domingo 30 de outubro, visivelmente enfraquecido, disputará o segundo turno com o presidente Jair Bolsonaro. Quanto aos institutos, mesmo que eles tenham errado, nas pesquisas do sábado havia números muito sugestivos de algum encolhimento de Lula e de um crescimento de Bolsonaro. Essa movimentação, para um lado e para o outro, estava em andamento quando os pesquisadores do Ipec e do Datafolha foram às ruas. As urnas confirmaram.
A esquerda – é imprescindível reconhecer – continua subestimando a força do presidente Jair Bolsonaro e do bolsonarismo. Subestimou em 2018, voltou a subestimar agora em 2022. O voto em Lula não deveria impedir essa leitura. Amigos e amigas com quem conversei muito durante a campanha sabem do meu entendimento de que, mais uma vez, o chamado campo democrático não teve a capacidade de construir uma candidatura forte que não fosse a de Lula. Foi assim em 1989, na derrota para Collor. Pode ser assim novamente se, no dia 30 de outubro, Bolsonaro for reeleito e Lula encerrar melancolicamente a sua extraordinária trajetória política.
Em 2022, as duas maiores lideranças políticas do Brasil são Lula e Bolsonaro. O eleitor brasileiro está dividido entre eles e enxerga carisma nos dois . Não adianta dizer que Lula foi o maior presidente que o país já teve e que Bolsonaro é somente um político tosco que acidentalmente se elegeu presidente. Bolsonaro é tosco, é ignorante, é arrogante, é assustadoramente autoritário – ele é tudo isso. Mas tem intuição, tem talento para a política e tem método. Bolsonaro soube surfar na onda de extrema-direita que, com a eleição de Donald Trump em 2016, não deixou de fora nem os Estados Unidos, sempre mencionados como a democracia mais sólida do planeta.
Antes de fechar, faço uso da lucidez de Roberto Mangabeira Unger, muito ouvido tanto por Caetano Veloso quanto por Ciro Gomes. Em artigo na Folha, ele escreveu o seguinte: “Proponho votar em Lula em 30 de outubro sem ilusões. Prevejo que ele primeiro tentará o caminho que conhece: o recurso às commodities – bens primários – para pagar as contas do consumo urbano, aos programas de transferência para dourar a pílula do modelo econômico e às práticas de cooptação de elites políticas e empresariais para assegurar consenso por baixo. Mas antecipo também que, desta vez, não vai funcionar, porque as circunstâncias do Brasil e do mundo mudaram”.
E encerro: Lula será o vencedor do segundo turno? Pode ser que sim, mas Bolsonaro saiu gigante do primeiro turno. A esquerda continua brincando nas redes sociais, enquanto a direita usa as redes sociais profissionalmente. Não sei se, em apenas quatro semanas, Lula e os cérebros que estão ao seu lado terão condições de entender o que houve e agir para viabilizar o projeto de defenestrar Bolsonaro do poder. Lula foi o mais votado, mas perdeu. Bolsonaro não foi o mais votado, mas ganhou. O Brasil está fortemente direitizado – como demonstra o quadro eleitoral como um todo. A tragédia nacional ainda vai muito longe, mesmo se Lula for o próximo presidente.
⏤ Texto publicado originalmente no Jornal da Paraíba ⏤