Queria escrever poesia
Mas não posso
Entregue aos fatos
E a razão
Queria o verbo sem condicional
Mas não posso
Palavras passam fluidas
As mãos não as alcançam
Retornam ao coração
Queria o querer sem queria
Mas não posso
Há pressa e prazo
A ritmar compasso
O tempo é duro
É de prestar atenção
Queria, Oh como queria!
Largou-se de mim a poesia
Cumpro regras, venço o tempo
Sufoco em mim a emoção
Há um medo de dizer o bem dito
A coerção que limita
A liberdade de expressão
Há algozes
No caminho das palavras
Seres escuros
Sombras tenebrosas
Há um oco
O recolho ao centro do ovo
Onde a vida germina quente
Sob a casca branca e fina
Na força da oração
Só a fé a apontar destino
No incontrolável desatino
Do caos em turbilhão
Queria escrever poesia
Mas não posso
Há sol
Atrás das nuvens escuras
Do medo e da coerção
Há sol, mas não posso
Nem ouço pássaros
Mataram as flores
Com pés de manadas de burros
Sem rédeas e sem direção
Há um grito mudo no ar
Há reza forte nos lábios
De mães e pais
Crianças sem esperança
Há fome de amor
No prédio que chega ao céu
E na favela que deságua na lama
Queria este querer que asfixia
O claro a vencer a treva escura
As cores livres ufanando
O espaço
O tom humano de um abraço
A leveza de um traço
A boa semente da verdade
Que a paz vibrasse agora
No coração da humanidade
Queria
Não são os homens
Os que se ostentam ali
Estes já se mostraram torpes
Embriagados pelos prazeres
Que o poder outorga
E a ilusão confere
O que tolhe é o há de vir
A loucura a olhos vistos
O circo com as jaulas abertas
O leão nas ruas sem domador
Em tempo real o picadeiro
A mostra de feras iradas
No púlpito da TV aberta
Fechando em dor
A desalma do futuro
E o povo ri feito criança orfã
Quando ganha um pirulito
É só mais um programa da televisão
Só mais um furo
Há impotência na pseudo escolha
Inocentes , distraídos
Com a carcaça da vez
Não há escolha
Há um restolho de ossos
Em travessa de filé mignon
Desconheço aqueles homens
Que se ostentam irados
Propostas de superfície
São brados que explodem
No imaginário montado
Falta brio
Corações de gelo
Estertores de frio
Inferno na primavera do inverno
Mulheres com voz de homens
Perderam o poder da intuição
Assisto
Rio também
Uma risada nervosa
Mas o circo não é imaginário
Nas palavras vãs
Não há perfume de rosa
Nem um Cícero a ocupar o tablado
Quero crer no atrás da curva
Seguir em paz meu caminho
Mas
Não posso escrever poesia
Não posso
outubro 02, 2022
Queria escrever poesia Mas não posso Entregue aos fatos E a razão Queria o verbo sem condicional Mas não posso Pala...
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