Eu tinha 9 anos quando Jânio Quadros, candidato a presidente, esteve em Campina Grande. Naquele tempo, apesar de o Grande Hotel, um pleno “Art Déco” bem razoável para a época, ainda estar em funcionamento, era comum pessoas “importantes”, de passagem pela cidade, hospedarem-se na casa de um dos numeráveis ricos.
Eu morava na Nilo Peçanha, esquina com Buenos Aires (nome que me fascinava, sem que eu soubesse por quê), e fiquei sabendo que Jânio estava hospedado na casa de Camboim, que ficava na esquina do quarteirão defronte ao meu.
Eu sempre tive um fascínio incontrolável por miniaturas, e as campanhas dos candidatos que polarizavam a corrida à presidência daquela época distribuíam miniaturas como símbolos dos projetos dos candidatos. Jânio, que prometia varrer o país, distribuía pequeninas vassourinhas douradas; o Marechal Lott, militar que dignificava as Forças Armadas e que recebera uma espada de ouro como símbolo de sua defesa intransigente da Democracia e da Ordem Constitucional, distribuía pequeninas espadinhas douradas. Eram lindas aquelas miniaturas, e eu ansiava por conseguir uma vassourinha, já que minha irmã, eleitora de Lott, já tinha conseguido uma espadinha.
Foi meu irmão, eleitor fanático de Jânio, que, com sua descrição exagerada, tentou fundir a imagem de integridade de Jânio à beleza da vassourinha e, com sua insistência, persuadiu-me a ir ter com o “presidente” e colocou minha timidez entre parênteses e meus pés a caminho. Meu irmão argumentou que, para eu aumentar as possibilidades de conseguir uma vassourinha, deveria dizer que minha família era grande e votava inteira no candidato. Eu não sabia se isso valia alguma coisa, mas sabia que era meia-verdade. Naquela época de democracia plena e de responsabilidade social, nenhum candidato insuflava seus eleitores à violência contra os adversários políticos; o país convivia pacificamente com a discordância e a diferença. Não era diferente no nosso lar: alguns votavam em Jânio, outros votavam em Lott – eu votava nas miniaturas.
Os adultos, em muitos países, têm o invasivo costume de apertar a indefinida mão de qualquer pessoa a quem mal acaba de ser apresentado. Como crianças não têm esse precipitado hábito, o meu irmão disse, repetidas vezes, que eu não me esquecesse de apertar a mão de Jânio ao cumprimentá-lo na entrada e na saída (como se isso tivesse alguma importância para o “presidente”).
Certamente por estar à espera de alguma visita ao “presidente”, o portão e a porta da sala da casa de Camboim estavam abertos, e isso me empurrou para dentro da sala. Surpreso com a minha abrupta e inexplicável presença, Camboim perguntou-me o que eu estava fazendo ali; eu disse que queria cumprimentar o presidente. Candidatos em campanha são sempre solícitos, e o “presidente” dilatou a surpresa do dono da casa ao levantar-se e vir em minha direção, perguntando a que devia a honra daquela visita. Eu, que estava mais surpreso com a minha presença naquela sala do que aqueles senhores, me esqueci dos votos da família e fui direto à vassourinha. Jânio disse lamentar muito, mas não tinha, naquele momento, nenhuma vassourinha consigo. Mais tarde falaria com seus auxiliares e alguém deixaria uma vassourinha pra mim na casa de Camboim, que, mecanicamente, comprometeu-se a entregá-la, embora jamais o tenha feito.
Ao sair da casa de Camboim, o sentido do mundo ficava pra trás. Eu estava sem vassourinha na mão e sem ideologia na alma. Não sei como, inconscientemente encontrei um modo de esconder o meu sentimento de derrota e, principalmente, de evitar o consolo dos adultos, que só me levaria a mais desconsolo. Na minha inocência, usando como cartada a instrução insistente de meu irmão, fui entrando em casa e desferindo: “Não consegui a vassourinha, mas apertei a mão do “presidente” na entrada e na saída.”
Só aos 13 anos, quando já era Jânio o presidente derrotado, eu aprenderia com Maurice Leblanc, através de seu personagem Arsène Lupin, que “A mão de um imperador não tem mais do que cinco dedos.”