Outubro caminha pelos seus meados com suas pancadas de chuvas aleatórias e, cada vez mais diminutas, mas que tantas vezes surpreende...

Cotidianos

cotidiano olhar urbano
Outubro caminha pelos seus meados com suas pancadas de chuvas aleatórias e, cada vez mais diminutas, mas que tantas vezes surpreende com seu barulhinho bom, música mais rara nestas paragens do ano, enquanto o calor aumenta e anuncia dias muito mais sufocantes. No ar, uma espécie de anticlímax enquanto o tempo imparável marca que age em tudo e, mesmo assim, muitos nem se apercebem. Seguem apinhados roteiros de cartas marcadas, insistem em abraçar desastres. Alheia a tudo isso, a vida prossegue, a cidade não para... O céu era prata, agora é ouro, que rebrilhará ainda mais nos próximos meses.

Novamente, as ruas estão cheias e parecem dias de ontem distantes. De volta ao lixo nas calçadas, as mãos estendidas com cartazes em mau português facilmente entendido: há fome! E segue a procissão urbana em busca do mesmo futuro imediato. Buzinas, silêncios e tumultos internos ouvidos a cada semáforo, cada colisão de olhares dos motoristas, a cada perdição de rosto.

Cotidianamente, cada mundo que rola pela rua rumo à hora seguinte segue por certo descontrole. Ao espanto supérfluo de reencontros, ao enigma que anda em veículos e revela-se e recolhe-se diariamente nas esquinas. Em filas, na lentidão de cada veículo, em outdoors sem anúncios, nos micro mundos individuais que se repetem, feito figurinhas refugos de um álbum incompleto. E espera-se pelos sentidos das obviedades. Já assegurava Pablo Picasso após ser questionado pelos conceitos subjetivos das suas pinturas. À tela, a mão genial que pintou uma garrafa, um nu, um jarro, quis retratar apenas aqueles objetos, tais formatos. Se ao adentrarem outras cabeças, novos mundos, ganharam novos conceitos, tudo bem, mas a mente do artista não maquinou novas genialidades afora a garrafa, o nu e o jarro. Definitivamente, eram cotidianos em que o olhar encontrou poesia através da tinta.

Sim, é preciso dizer que nem tudo é complô, que existem as contidianeidades onde se buscam tramas, que a aleatoriedade surge sem planos, que a vida guarda coincidências. Humanos desconfiados demais sugerem armadilhas, mas negam a possibilidade de também armarem as suas. Só o outro é o monstro, mas não observam os seres maquiavélicos que guardam em si mesmos.

E segue a dança dos movimentos cotidianos. Uma hora há o esvaziamento da cidade. Sem carros, sem passos, só os espaços seguidos do esquecimento dos séculos. Um vácuo que transforma o vital em desimportante, o eterno na fugaz desintegração dos séculos. E, ignorados, disfuncionais, tornam-se monumentos perdidos em locais sabidos. O cotidiano se deixa também ser ultrapassado pelo tempo.

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