Quando a seca arruinou o sertão nordestino, revelava a fome e o desespero em toda a sua extensão, ações de José Américo de Almeida no Ministério da Aviação e Obras Públicas (1930-1934), em favor dos flagelados, estrondaram aos quatro cantos do País. Este brejeiro conhecia intimamente o drama da seca e seus efeitos porque viu perto todas as calamidades em épocas diferentes, com suas tragédias humanas. Sabia da longa viagem do beato que foi ao Imperador com carta do padre-mestre Ibiapina para pedir arrego, quando o sol inclemente dizimava tudo e fazia as pedras esbrasear.
Em 1915, quando a macambira secou e os lajedos eram tachos quentes, sem afastar os olhos de Areia, José Américo presenciou procissões de retirantes semivivos acorrentados pela dor, como imagens humanas esqueléticas que o sol deixou sobreviver. Aquele drama humano serviu de mote para páginas antológicas de nossa literatura, que ele abordou em mais de um livro. A Arte superou a dor para ficar no coração das pessoas, como retratou Candido Portinari.
O registro das prolongadas secas vem desde os primórdios de nossa civilização, quando o homem seguia em busca de riquezas e voltava escorraçado pela fome advinda da falta de chuvas. Em A Paraíba e seus problemas José Américo faz abordagem sobre diferentes aspectos das estiagens que se tem conhecimento, por isso o livro é um autêntico registro do flagelo causado pelas secas.
A fome motivada pela falta de produção na terra esturricada, levou pessoas mais abastadas a sentiram na pele o sofrimento e, de imediato, buscaram arrego em outros lugares. É certo que muitas coisas foram feitas, no entanto, carece de muito mais. Em muitos lugares ainda se movem seres humanos convivendo com a fome e sede porque a água desapareceu dos mananciais.
Quatro anos depois do estrondo de A Bagaceira, que aborda o tema da seca e suas consequências, José Américo idealiza movimento nacional de esperança. Então, fez de tudo para uma estabilidade em favor da vida no semiárido nordestino, mas na calamidade da seca persistente, ainda se morreu muita gente de fome.
José Lins do Rego, em crônica de 1942, lembrou dos efeitos da seca de 1932, e recordou que uma década depois o interventor Rui Carneiro, conhecedor da dor do sertanejo e que conduzia nas mãos as marcas dos espinhos de xique-xique, à época, voltou com ânimo abatido de uma viagem pelo Sertão porque presenciou em Cajazeiras, Sousa e Catolé do Rocha famílias a mendigar nas ruas e estradas, como se os efeitos de 77 estivessem presentes.
Em crônica, o autor de Pedra Bonita recordou os efeitos da seca de 1941 quando esteve em engenho de familiares na várzea do Paraíba. Escreveu que presenciou descer pela caatinga umas 200 pessoas, procedentes do Cariri castigado pela falta de chuvas, mesmo não assemelhando-se aos de 1915, porque “eram homens válidos”, para saciar a fome, consumiam mangas com casca e tudo.
Dez anos depois do conjunto de ações de José Américo, os aflitivos sinais das secas de 1877 e 1915, que formaram cálice da amargura sempre lembrado, ainda amedrontavam com seus fantasmas a rondar os sertões, os cariris, as caatingas do agreste e se espalhavam pelos brejos.
O drama deixava a literatura para desgraçadamente se tornar realidade crua e nua. A arte imitou a vida nas páginas pungentes e dolorosas de Graciliano Ramos, com Fabiano, dona Vitória, os meninos e a cadela Baleia. Tantos anos depois da revelação de José Américo em livros e pronunciamentos, mesmo que as pessoas não carreguem bisaco a tiracolo e nem nos pés sandálias de rabicho encardida pela poeira das estradas, o drama continua a se repetir nos grotões e ruelas de favelas, com panelas vazias e as mesmas mazelas.
No meu tempo de criança presenciei famílias que para enganar a barriga, espalhavam o ovo na frigideira para ter a sensação de aumentar a quantidade da mistura da refeição. Comiam com os olhos da mente o que faltava na mesa.
O cuidado com o meio-ambiente pode ser o caminho para revelar nova paisagem no todo o território nordestino. Desse modo, as secas e seus efeitos deixariam de ser mote para a literatura, mesmo que seja na melhor expressão como fizeram Euclides da Cunha, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e uns outros.
Importante é que a seca continue sendo, apenas, uma pintura na parede.