O livro de Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, A primeira rua da capital paraibana: uma contribuição para a história do alvorece...

A primeira rua e o método da História viva

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O livro de Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, A primeira rua da capital paraibana: uma contribuição para a história do alvorecer da Capitania da Paraíba (João Pessoa: Edições Fotograf, 2007), apresenta por tema o que poderia ser visto como uma polêmica, ao se propor desvendar o imbróglio a respeito de qual teria sido a primeira rua da capital paraibana. Ainda que se possa ver aí um conteúdo polêmico, qual mexer num vespeiro, Guilherme não aborda o tema pelo amor do pólemos (πόλεμος) ou da guerra inócua, em que se procura vencer a todo custo, partindo para um confronto tumultuado,
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muitas vezes obtendo como resultado uma vitória de Pirro.

Trata-se, sem dúvida, de um enfrentamento, cujas armas, contudo, são a argumentação bem fundamentada, por três caminhos, que convidam ao palmilhar: o semântico, o das fontes documentais primárias e o cartográfico. Além disso, podemos dizer que este opúsculo – no tamanho, não na sua importância – procura, a cada argumento e no conjunto de argumentos expostos à apreciação dos leitores, expor a sua metodologia, ciente de que não há ciência que se queira séria que prescinda de um método.

É neste sentido que Guilherme, no seu cuidado de leitor avisado e pesquisador acostumado a remontar às fontes, busca a ajuda na Semântica, com o cuidado de compreender os vários sentidos dos adjetivos novo e recente, visando compreender a significação dada ao nome Rua Nova, hoje General Osório, no centro de nossa capital.

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Rua Nova = Rua General Osório :.: Parahyba do Norte = João Pessoa
Há que se compreender, como nos ensina Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, que a Semântica, sendo ciência, não é estática e sempre haverá de exigir uma adequação cronológica e contextual, o que, naturalmente, amplia a questão para uma dimensão filológica, tendo em vista que a evolução linguística, natural e incontornável em qualquer língua, não pode ser desconsiderada.

Não basta, portanto, elencar os vários sentidos que os adjetivos novo e recente apresentam nos dicionários, em que a palavra se encontra estática. Faz-se necessário considerar os bons dicionários, que apresentam abonações, pois são estas que orientam o leitor nos vários sentidos que uma palavra assume, em função do contexto em que ela é empregada. Eis o método colocando o rabo de fora, recebendo o remate de Guilherme,
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Ladeira de S. Francisco (1920)
Fonte Jampa das Antigas
ao mostrar que a discussão do assunto – qual seria a primeira rua de nossa capital? – necessita de uma argumentação que possa se sustentar, não podendo ser encetada de qualquer maneira:

“Enfim, está faltando fundamentação lógica e filológica nesse procedimento singular” (p. 83).

A argumentação semântico-filológica é o primeiro passo para a definição de qual teria sido a primeira rua da capital paraibana. A partir daí, define-se o sentido de rua como projeto e propósito urbanístico, diferente daquele de rota de passagem ou via de acesso, trilha, vindo a ser, posteriormente, uma rua urbanizada.

Tendo a cidade vindo da planície do rio, em direção à colina, onde foi construída, as primeiras vias de acesso foram as atuais Ladeira de São Francisco e Ladeira da Borborema, cujos propósitos eram distintos daquele da Rua Direita, atual Duque de Caxias. Assim, afirma Guilherme:

“A Rua Nova foi aberta com o específico propósito de nela se levantar construções” (p. 87).

E mais adiante, sobre a atual Ladeira de São Francisco:

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Gilherme Lins
“[...] àquela altura [o ano de 1600), não existia ali mais do que uma ‘cerca’ ao longo da encosta, delimitando a terra pertencente aos Franciscanos. Esta ‘cerca’ marcava o rumo daquele ‘caminho’ ou trilha de mato, onde se podia fazer o percurso a pé entre a chã e o alto da colina” (p. 102).

Ao seguir os caminhos das fontes primárias – ”e eles existem” (p. 84) –, incluindo aí a leitura paleográfica com a sua devida e cuidadosa transcrição, Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins começa a segunda etapa de seu estudo, com a argumentação documental apontando para a existência de uma rua urbanizada, sendo a primeira, acessada a partir de caminhos ou trilhas que vinham do varadouro do rio Sanhauá.

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Rua Direita = Rua Duque de Caxias :.: Fonte: Levy
A diferença consiste na urbanização. As vias de acesso entre a parte baixa e a parte alta, a colina onde deveria ficar a cidade, para uma melhor visualização de quem chegava pelo seu rio, foram abertas mais cedo, diante da necessidade de edificação do núcleo urbano. A primeira rua, por sua vez, foi aberta para ser rua, como projeto urbanístico, de modo a dar início à futura capilaridade das artérias da Filipeia de Nossa Senhora das Neves. Para ficar claro, tratava-se de uma rua para moradia, onde se encontravam, segundo documento do ano de 1609, “muito boas casas de pedra e cal que se vão acabando e outra de taipa” (p. 110,) não apenas um caminho de acesso. A terceira parte do trabalho consiste na apresentação de cartas geográficas, que situam visualmente o leitor, cuja datação esclarece e dá firmeza ao raciocínio até aqui desenvolvido.

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Antigo mapa da cidade de Frederykstad = Filipeia de Nossa Senhora das Neves = Parahyba do Norte = João Pessoa :.: Fonte: Nicolaes Visscher (1635) / Wikipedia
Deixamos ao leitor o prazer da leitura e da descoberta da pesquisa de Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, que, com sua argumentação bem fundamentada, traça um roteiro sedutor, principalmente, para aqueles que, como eu, nasceram nesta bela e aprazível cidade de Nossa Senhora das Neves. Seu livro revela-se uma oportunidade rara de itinerário a ser seguido, dando ao transeunte o prazer de poder usufruir a história viva, a partir de sua didática orientação geográfica, interessando a historiadores, àqueles que se inclinam à apreciação da história, mesmo que não sejam da área, e aos que se deleitam com a apreciação de um método de argumentação, decisivo para a construção do saber.

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  1. Flávio Ramalho de Brito15/10/22 04:37

    Análise perfeita sobre uma grande contribuição de um
    dos mais rigorosos historiadores paraibanos sobre o nascedouro da cidade de Nossa Senhora das Neves.

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  2. Onde compro o livro sobre a Primeira Rua? Amei.

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