É realmente uma vitória ou uma simples consolação? Eis a questão. Valerá a pena? Ou é apenas uma justificação de derrotados? A chamada...

Vitória moral

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É realmente uma vitória ou uma simples consolação? Eis a questão. Valerá a pena? Ou é apenas uma justificação de derrotados? A chamada vitória moral tem muitos aspectos. Pode ser várias coisas, dependendo das circunstâncias e das pessoas, mas uma coisa é certa, creio eu: tem sempre mais de moral que de vitória propriamente dita, e aí está o seu segredo e – por que não? – sua beleza.

A primeira constatação que ela impõe tem a ver com o paradoxo que encerra: é a vitória dos perdedores. Mas como? Pode o derrotado ser ao mesmo tempo vitorioso? Não é uma contradição? Pois é. Por aí se vê a complexidade do tema, a desafiar nossa reflexão.

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É muito provável que, na vida, nós todos já tenhamos nos defrontado com algum caso de vitória moral, nossa ou de outrem. E que tenhamos parado para pensar (e sentir) a respeito desse fenômeno capaz de nos sensibilizar. E digo isto por uma razão: por pertencer aos que perdem, esse tipo especial de vitória triste sempre gera nas pessoas de boa-fé uma compaixão para com os derrotados e, por tabela, uma compreensão solidária do que se passa na alma dos que não ganharam apesar de merecerem.

O poeta Drummond traduziu em versos belíssimos seu pensamento sobre a vitória embutida em certas derrotas. Foi no poema Aos atletas, datado de 24-7-1966 e constante do livro Versiprosa, de 1967. Ele escreveu dirigindo-se aos jogadores da seleção brasileira de futebol que tinham acabado de perder a Copa do Mundo, na Inglaterra, depois de dois campeonatos mundiais seguidos, o de 1958 e o de 1962. É um poema relativamente longo, cuja integral transcrição neste espaço não convém. Mas vale a pena citar os versos iniciais, para que o leitor tenha uma ideia da expressão poética do mineiro:

Aos Atletas Os poetas haviam composto suas odes para saudar atletas vencedores. A conquista brilhava entre dois toques. Era frágil e grácil fazer da glória ancila de nós todos. Hoje, manuscritos picados em soluço chovem do terraço chuva de irrisão. Mas eu, poeta de derrota, me levanto sem revolta e sem pranto para saudar os atletas vencidos. Que importa hajam perdido? Que importa o não-ter-sido? Que me importa uma taça por três vezes, se duas a provei para sentir, coleante, no fundo, o malicioso mercúrio de sua perda no futuro?

E por aí vai o bardo de Itabira a enxergar heróis nos humilhados de 1966. A encontrar nobreza na desgraça e dignidade no revés. Porque é exatamente disso que se trata quando se fala em vitória moral, uma vitória sem pódios nem troféus, uma vitória triste, como escrevi mais acima, porém altiva, cabeça erguida.

Custódio Coimbra
Já o dramaturgo Guilherme Figueiredo, consagrado internacionalmente com vasta obra publicada e premiada, não se conformou por ter perdido a eleição para uma vaga na ABL para o médico Deolindo Couto, reconhecido autor de obra nenhuma. Sobre um amigo que procurou consolá-lo previamente da derrota que era certa, apesar de injusta, escreveu: “Só falta falar em ‘vitória moral’, esse tipo de vitória que conheço tanto: a casa vazia e só os filhos da gente olhando para a gente, tristes por dentro, alegres por fora, pensando alguma coisa assim: ‘Coitado de papai! É um batuta!’”. Veja só. Ao autor de A raposa e as uvas a vitória moral não satisfazia – nem consolava. Ele queria mesmo era a vitória de verdade, que, no caso, viria engalanada com o fardão verde e dourado da Academia.

Com alguma frequência me pergunto o que é melhor: ganhar sem merecer ou perder merecendo ganhar. Nunca duvido: prefiro mil vezes a derrota merecendo ganhar do que uma vitória sem merecimento. Creio que seja mais uma questão de temperamento que de virtude, esclareço logo, antes que alguém pense que estou a me pabular. É que, sem querer comparar-me, também pertenço à tribo de Drummond, “poeta de derrota”, assim como o austríaco Stefan Zweig, que preferia biografar os vencidos e não os vencedores.

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Claro que vencer, quando se merece, é muito bom. Mas a vitória moral, a dos que perdem quando mereciam ganhar, tem o seu valor imensurável ao fazer justiça aos injustiçados. Os filhos de Guilherme Figueiredo, garanto, devem ter sentido muito orgulho daquele pai derrotado. E certamente o amaram mais naquela imerecida e solitária amargura que na talvez hipócrita consagração do fardão.

Concluo com mais quatro versos do poema drummondiano acima transcrito parcialmente. São palavras e sentimentos que só um altíssimo poeta poderia escrever e traduzir, e que ensinam a todos nós da planície a profundidade filosófica e a grandeza de certas derrotas:

“pois perder é tocar alguma coisa mais além da vitória, é encontrar-se naquele ponto onde começa tudo a nascer do perdido, lentamente.”


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