Veio a reforma de Damásio Franca, a de Ricardo Coutinho, uma laje no lugar de outra, um reboco sobre outro, mas ficou no ar úmido da cal a pucumã largada pelos antigos fumos, uns vestígios de espírito do “ponto de encontro perdido”.
Desci pela 1817, botei a cabeça na livraria do Luiz, e quando menos espero acho-me no Ponto de Cem Réis. Não no Ponto de Cem Réis das reformas, mas no que descia comigo, dentro de mim, guiando os meus passos.
Desci pela 1817, botei a cabeça na livraria do Luiz, e quando menos espero acho-me no Ponto de Cem Réis. Não no Ponto de Cem Réis das reformas, mas no que descia comigo, dentro de mim, guiando os meus passos.
E o que eu ouvia, exumado do entardecer, já chegando os borrões da noite, sessenta e quatro anos depois? O comício de encerramento da última campanha do grande orador José Américo. Sim, nesse tempo havia o orador. Hoje, nem no conselho diretor da Academia de Letras existe.
O Ponto de Cem Réis já vinha prenunciando a derrota. A indústria da seca, bem azeitada pelo governo do PSD, tinha apagado a lembrança do ministro de 1932, e do governador que deixara o Palácio nos braços do povo. Não eram braços de claque, mas os de ânimo cultivado pelo espírito do próprio Ponto de Cem Réis.
Chego no lajedo cimentado de agora, mas o discurso de 1958 é o que ainda anima a minha evocação com todas as pedras do antigo cenário. E o significado remoto da política. O café de Dudu Peixoto, no pavilhão aberto para o poente, parecia um palco adicional ao palanque armado no centro da praça, repleto de admiradores e devotos engravatados.
Caíra uma neblina amornada pelo sol do crepúsculo. O pavilhão dos engraxates, do lado oposto, aguentava o aperto da gente do povo, num pré-comício em torno de Antonio Nominando Diniz, jovem deputado e poeta da coligação que elegera Zé Américo a governador e fiel escudeiro do Partido Libertador, o partido que acomodava as lideranças americistas depois das dissensões partidárias.
Mais que encerramento, o discurso era uma despedida. O orador derramava na praça central o mar da Bahia, onde e quando surgiu uma tábua para salvá-lo do desastre de avião que matara Antenor Navarro.
Ah, nem me lembrava. A persuasão do discurso de qualidade foi abolida da política e, com ela, o comício. Será que o bem comum saiu ganhando?
Ainda ontem, em crônica n’A União, Abelardo Jurema Filho lamentava o fim de obras de discurso como os Cieps de Darcy Ribeiro implantados por Leonel Brizola.
Com os discursos também se foi a sensibilidade para questões de consciência social num país que abastece o mundo de alimento e não se toca ante o espantalho de pobreza e fome de um quarto da sua população. Quanto mais crescemos, mais crianças sem pão e sem abrigo pelas calçadas do nosso desenvolvimento urbano.
O artigo de Abelardo me fez lembrar passeio antigo que fiz, há tempo, com um visitante concluinte de mestrado em antropologia admirado com o rico casario do nosso Bairro dos Estados. Que riqueza! – exclamava a cada mansão. “Mas tem pobreza, também” – alertei-o, querendo mostrar onde encontrá-la.
- Não, não precisa, as calçadas da riqueza são o melhor mostruário. Das capitais do Nordeste só faltava conhecer a sua.