Quando está viva, disponível a qualquer hora, bem ou mal lá no cantinho dela, há aquela sensação de que está tudo bem, tudo em ordem. Parece que o simples fato de a pessoa estar viva é o bastante para a gente pensar que a vida segue às mil maravilhas.
Mas, ao desaparecer para sempre, vem o enorme vazio, a saudade oceânica. E a coisa piora quando, no caso de um parente próximo, junto com esse sentimento de perda total, absoluta, irreparável, definitiva, passa na cabeça da gente um interminável "flashback" da vida em família, do tempo em que vivíamos felizes sob a proteção dos pais.
"C´est la vie". Estou indo para os 74 anos. A regra são esses desaparecimentos diários, essas perdas que se tornam sustos na leitura dos obituários, como um bate-estaca implacável. “Sabe fulano? Foi cremado ontem”. Mesmo sendo natural, a informação vira ferida no peito já cansado.
Não faz diferença. Se frequentamos pouco ou convivemos todos os dias com essas criaturas que partem para os Campos Elíseos sem dizer adeus, a dor é a mesma. O antigo vizinho, o ex-professor, a sempre querida namorada que poderia ter sido a grande companheira; o colega da escola e do trabalho, o parente, o amigo, o parente do amigo. Não importa. Se um dia, por algum motivo, o morto conseguiu conquistar nossa afeição, nossa alma se torna refém da perda.
O problema da velhice é que você acompanha, numa cadência lenta e fria, o desmoronamento do seu mundo. São ídolos, amigos, amores, familiares, lugares, situações que desaparecem e vão deixando a vida cada vez menos interessante.
Há cinco anos, ao saber da notícia da morte de um grande amigo, o engenheiro Kleber Bonates (Ted), lembrei-me de quando viajamos juntos para a Europa, ainda nos anos 70, e nos tornamos amigos. Fizemos o voo Recife-Lisboa. Conhecemos Lisboa ciceroneados por um irmão marista português, que encontramos durante o voo. Depois fomos passar o réveillon em Madri, com estudantes de outras partes do Brasil. Foi aquela festa na Puerta del Sol. No primeiro dia do ano, no aeroporto de Barajas, nos separamos: duas amigas foram para a França, Ted para a Alemanha e eu para a Inglaterra.
Nosso plano era reunir o grupo daquele fantástico réveillon para repetir cena por cena a nossa inesquecível viagem. Com Ted atormentado pela violenta diabetes, ficamos só na saudade. Não deu. Nunca mais dará. Sem Ted não dá. Ted foi para os Campos Elíseos, onde tudo é paz e não existe sofrimento. Vai com Deus, meu velho amigo.
Nota do autor
Kleber Bonates (Ted),
faleceu em um sábado, 29 de julho de 2017,
vítima de complicações provocadas pelo diabetes.
Kleber Bonates (Ted),
faleceu em um sábado, 29 de julho de 2017,
vítima de complicações provocadas pelo diabetes.