Ars poetĭca Na Póetica, Aristóteles, claramente estabelece que o poeta é quem faz trama, não quem metro sempre tece. Se de um ...

Para uma tipologia do epigrama

mitologia literatura grega classica satira epigrama
Ars poetĭca
Na Póetica, Aristóteles, claramente estabelece que o poeta é quem faz trama, não quem metro sempre tece. Se de um lado é a trama que nos dá todo o efeito, não se deve, no entanto, tecer metro com defeito. Não importa a medida que o poeta utiliza, é preciso que ela flua de maneira bem precisa, e na construção do verso ⏤ muito pouca gente sabe ⏤, é o ritmo que impõe a medida que lhe cabe. Se no grego é o iambo que da fala se aproxima, é o verso setessílabo que a nossa fala estima. E os dois são construídos de um modo semelhante, seja o trímetro iâmbico ou ternário, é constante. E na similaridade, diferenças aparecem: com uma breve e uma longa, os iambos, pois, se tecem, vão formando o Senário, de seis pés bem construído, cada pé sendo conjunto, em um verso entretecido. Já na língua portuguesa, é a sílaba que conta, pra formar verso escoimado com a melodia pronta. Setessílabo ou Senário, eis a Arte e o Engenho: Ao tecer a sua trama, teça o verso com empenho. Poēma et Poēsis – I
Vou fazer a diferença, para o Sábio aprender: A poesia é essência, que o poema quer reter; o poema é a forma, a matéria acabada; a poesia, o espírito, é a alma libertada. Não confunda, pois, ó Sábio, o poema e a poesia: A matéria é limite; o espírito, rebeldia. É poeta quem faz mito, não o metro redutor; a lição é antiga, de Aristóteles, professor. Poēma et Poēsis – II
O que chamo de poema, alguém chama poesia. Nos meus versos, só procuro o cortante da ironia; não procuro a beleza do amor alvissareiro, me interessa, tão somente, o risinho zombeteiro. A poesia invade a alma, recolhendo emoções; meu poema quer a carne, desdenhando os corações. Não me chame, pois, amigo, de poeta, por favor! Eu me sinto satisfeito por ser um versejador. Poēma et Poēsis – III
O epigrama é poema, não pretende ser poesia; não decanta o amor, nem o sonho ou fantasia; nem também os ideais, a nobreza ou o sentimento, passa longe do lirismo, aflições do pensamento. O epigrama é a Vida com seu lado contundente; se compraz na ironia, é mordaz e é mordente; se não trata de amores ou de temas tão cuidosos, tem a marca indelével que é rir dos vaidosos. Compositĭo epigrammătis
Pra compor um epigrama, eu não faço muito esforço, pois o ritmo eu conheço e a métrica não distorço. A matéria prima grassa todo o dia incessante, o problema é escolher o que é mais interessante. A política, prato cheio, é assunto obrigatório, O engajado libertário, democrata em palavrório, O ferrenho libertário, cujo mundo é preto ou branco, Tudo isso o epigrama vai mordendo pelo flanco.


Lectĭo
Como não fazer a sátira? Juvenal se pronuncia. Já Quintiliano diz: ⏤ É pão nosso todo dia. Ironīa plus quam risŭs
Sabe mal o epigrama que provoque só o riso; sabe bem o que acicata, por agudo e conciso. Sabe mal o epigrama só de ritmo e harmonia; sabe bem o que o que constrói inequívoca ironia. Ironīa et concisĭo
Por que gosto do epigrama? Pela sua concisão, se o poema é muito longo, perde a sátira a razão. Incisivo, o epigrama, tendo ironia fina, é o raio fulminante que o baobá fulmina. Duas vezes três por sete, com o ritmo da fala, quando o epigrama diz, o silêncio se propala. O epigrama, já se afirma, é igual Roma locuta: Tudo é causa finita, a ninguém não mais se escuta. Subtilĭtās
Muita gente não entende do epigrama a natureza quer que a ironia seja um modelo de rudeza. Evidente que existem epigramas desbocados, no entanto, é preciso criar versos refinados, em que o alvo do epigrama, com atitude muito pia, agradece ao epigramista a navalha da ironia. Fulmĕn
O que quer o epigrama? Mais que a vida, o flagrante, O instante que se exponha, muito mais do que se cante. E o que é o epigrama? É o raio que fulgura, o clarão revelador, desnudando a criatura. Castigat ridendo mores
É no vício criticável que o epigrama se edifica, não se trata do indivíduo, mas do que ele tipifica. É a sátira mordaz que ao tolo se erige, quando ele explode em loas ao político que o dirige. Como pode o epigrama não espicaçar o estulto, se é néscio todo aquele que ao político presta culto? Quando o tipo se revê no epigrama em processo, é que a carapuça coube: o epigrama é sucesso. Ferŭla
Tua queixa à minha férula; ao meu látego, a lamúria; tu me dizes viperino, mal contendo a tua fúria. Teu desejo é que eu seja um cordeiro emudecido, pronto à imolação em altar ensandecido. Esclareço ao amigo, democrata melindrado, que a sátira sempre encontra o seu campo já lavrado. O colono da palavra tem apenas que lançar a semente em cada verso e esperá-la germinar. E os frutos são bem mais, que constate qualquer um, muito mais do que aqueles que nos deram cem por um. O sarcasmo, a acidez nunca foram impropérios; Ironias proferi, porém nunca vitupérios. Eu não tenho língua ofídica, nem palavras só aladas, mas aquelas que profiro sempre são por mim pensadas. Pra teu lógos palinfrásico, é fascista todo o mundo; Vê quão fácil é defini-lo: platitude do profundo! Não és crítico ou pensante, teu discurso é cambaio, que já pega tudo pronto e te torna um papagaio. Não me queiras censurar, libertário camarada, que suporta um mentiroso e detesta uma risada. Compositĭo versŭs
Há quem possa imaginar que no duplo heptassílabo, na junção desses dois versos, uma sílaba vai sobrar. Se pensarmos que os dois em verdade são autônomos nunca há como sobrar uma sílaba depois. É bem fácil compreender como é a construção: é só você desconstruir e, então, vai entender. Todo dístico apresentado, na verdade, é uma quadra feita de heptassílabos com seu ritmo preservado; se em rima emparelhada o esquema é ABCB; se rimar o hemistíquio da primeira linha dada pelos polos versos brancos, pelo meio emparelhadas, sempre obedecendo o ritmo, evitando versos mancos. Com o olho na medida, precisamos entender que no hemistíquio a tônica determina o fim da lida, uma vez que a prolação enfraquece normalmente e, portanto, nada sobra, sem qualquer violação. Desprezamos o que passa dessa tônica do hemistíquio, pois se obedece à fala que qualquer verso perpassa. É o ritmo, na verdade, quem estabelece o metro e o dístico, quando ouvido, tem da quadra a propriedade; o ouvido é quem comanda todo verso ritmado, se você contar nos dedos, todo ritmo só desanda. O ideal é que de agudas vão formados os hemistíquios, E o dístico se construa sem as tais presenças mudas, ou então que o que sobra se emende com a seguinte numa crase ou sinalefa, elisão que a fala dobra. Enganado está quem conta cada sílaba de um verso, pois, pro ritmo, essa contagem sempre é de pouca monta. O que importa é o acento, melodia, prolação e o verso daí surge, sem esforço, como alento. Traductĭo
Para a tradução do clássico, um dilema é recorrente: traduzir o verso em verso ou em prosa bem fluente? Eu prefiro a tradução dando liberdade ao verso, ao verso burilado de sentido controverso. Mas, às vezes, me aventuro traduzir metrificado, recriando em redondilhos, com o metro redobrado. Bem se encaixa o hexâmetro e o pentâmetro não cai mal: quando se encontra o ritmo, a fluência é natural.

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