Repisemos num problema de 160 anos atrás, o município de João Pessoa com 22 mil habitantes, o riacho de Jaguaribe livre de vizinhos, de detritos humanos, escorrendo suas águas impaludadas por toda a aba leste da colina em que se plantou a cidade.
O texto é claro como o de um bom repórter de hoje:
“Se houvesse o cuidado de limpar o leito deste riacho de modo que suas águas tivessem mais expedição, estou convencido que daí resultaria muita vantagem à salubridade pública, mas semelhante empresa demanda alguma despesa para a qual não se tem ainda consignado fundos. Pelo que diz Gabriel Soares, dava este rio no seu tempo (1587) entrada a embarcações; hoje, porém, é sua barra nimiamente rasa e impossibilita qualquer navegação, ainda mesmo de canoas pequenas”.
É do ex-presidente da província, Henrique de Beaurepaire Rohan, em sua Corografia da Província da Paraíba, escrita em 1860, logo depois de sua passagem professoral pela administração da Paraíba. Vem à luz para reiterar a demora de séculos que levamos com problemas que reclamam muito mais cuidado que recursos.
No tempo de B. Rohan o rio tinha pouco a quem impaludar ou infestar de febres. Tambaú, que dava nome às praias de Manaíra e Bessa de hoje, era um pequeno aglomerado de choupanas, uma ou outra casa de melhor construção. O que se destacava, na descrição de 1860, eram as “ruínas de um hospício dos religiosos de São Francisco, com a invocação de N.S. da Conceição (ou de Santo Antônio)”.
Se nesse vazio urbano, sem ter muito a quem ofender, os mosquitos e as suas febres já abriam os olhos de 1860, que dizer da situação de hoje, as águas do Jaguaribe lambendo os dois extremos da nossa desigualdade social, numa exposição chocante para os que têm alguma responsabilidade com a saúde ambiental de uma cidade que ainda tem jeito. Digo ainda tem jeito, levando em conta o desesperado apelo de uma ambientalista de São Paulo para quem só resta a alternativa de aterramento dos seus dois rios urbanos.
Em 2001, o dr. Antônio Sérgio Tavares de Melo, coordenando um projeto de pesquisa, oferecia um documento “aconselhando os especialistas em gestão territorial a encontrar soluções para a melhoria da qualidade de vida das populações, sobretudo no que se refere à moradia, saúde e trabalho.” Me lembro disto toda vez que desço a Rui Carneiro, e para obedecer o sinal tenho que levar o lenço ao nariz. São as águas pútridas do Jaguaribe, e o pior, sem fazer vergonha aos que o atravessam por trás dos vidros fechados.