Pena que o editorial do jornal tenha de omitir por preceito o nome de seu autor. Neste jornal, o editorial de quarta-feira, 7 de setembro, intitulado “Grito que não cala”, tanto empolga quem o leu a cada argumento quanto envaideceria, por justiça, a quem se visse revelado.
É norma consagrada: “A palavra, o ponto de vista é do jornal e não do redator exímio a quem a mensagem é confiada.” E mais: “A opinião expressa no editorial é alguma coisa mais do que a simples opinião do proprietário, é o conjunto de opinião de diretores e editorialistas”, refletindo quase sempre uma tendência interpretada na consciência social – acrescento.
Está escrito em A União: “O Brasil comemora, hoje, o bicentenário de sua independência de Portugal, cujo marco, de acordo com a história oficial, foi o grito do imperador Dom Pedro I.” E esclarece: "Independência, no entanto, vai ou deveria ir muito além dos interesses da classe dominante. Pressupõe uma soberania nacional cujo alicerce seria o ideal do desenvolvimento econômico com liberdade e justiça social.” São palavras incisivas do editorial em seu grito que não cala:
“O Brasil é uma nação independente que ainda precisa estender essa conquista de 200 anos para milhões de patrícios que não têm casa nem emprego – milhares, por sinal, nem mesmo o que comer”.
Para ser mais preciso, nesse Brasil completamente apartado do Ipiranga, 33 milhões de cidadãos vêm sendo descarnados pela fome. A Veja, em matéria recente, foi fotografar essa tragédia no interior miserável do Nordeste, em Serrano, no Maranhão, mas podia ter ficado mesmo em São Paulo, onde o contraste de classe é um dos mais pavorosos do mundo. Isto num país tropical que planta e colhe durante os doze meses do ano e que abastece de alimento as grandes e ricas nações ocidentais e orientais do planeta. Onde fica ou a que se reduz a independência se o voto, apanágio da liberdade de pensamento e de ideia, pode se render a 600 reais a cada brasileiro com renda de 7 reais por dia?! São 20 milhões que, mais ou menos, vivem desse dinheiro. Minha mãe santíssima!
Formei-me fora da escola, aprendendo num jornal do governo, ouvindo mal-entendidos sobre à sua linha editorial, mas foi lá que discerni, ou melhor, que passei a limpo lição aprendida na leitura e com a vida:
“Não é a consciência do homem que determina sua existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina sua consciência”.
O editorial era a peça mais bem trabalhada de todas que compunham o jornal. O editorialista, lá entre nós, era o intérprete da maioria do corpo redacional. E a maioria, por mais letrada que fosse, tinha origens existenciais na classe, se não pobre, parede-meia com os mais carentes. Se me perguntarem, do meu tempo de militante, qual a fase mais autêntica do editorial, ou seja, a menos confrontada com a direção da casa, não tenho dúvida: a dos governos de Pedro Gondim e de Tarcísio Burity, nas direções respectivas de Hilton Marinho e Helio Zenaide no período gondinista, e Nathanael Alves e Petrônio Souto no de Burity.
E ficou sendo, para todos os jornais e para todo o sempre, a primeira matéria de minha leitura, fosse no Jornal do Comércio do Recife ou nos do Rio, liderados pelo Jornal do Brasil e Correio da Manhã.