Quando nasci, em 1959, Elizabeth II era rainha há sete anos e havia sido coroada há seis. Na morte dela, nesta quinta-feira (08), estou com 63. Em todos esses anos, não houve nem mundo nem vida sem a monarca do Reino Unido. Era impossível, portanto, não tê-la como parte da minha memória afetiva. Num dia qualquer de 1968, nunca esqueci, meu tio Amaury, oficial reformado da Aeronáutica, foi ao Recife só para ver Elizabeth de perto. Creio que ela passou em carro aberto pela Conde da Boa Vista. Quando voltou para casa, ouvimos o relato dele: “A rainha não é uma mulher bonita, mas tem muito carisma”.
Você pode ser republicano. Você não precisa ser monarquista. Mas é difícil não ter alguma admiração pela rainha Elizabeth II. Ela é uma personalidade tão gigantesca do nosso tempo que é praticamente impossível não gostar dela. Mesmo que a gente tenha muitas críticas à Família Real. Mesmo que a gente não compreenda a existência de famílias reais como a dela em pleno século XXI. Como chefe de Estado, Elizabeth cumpriu rigorosamente o que está estabelecido como a liturgia de quem ocupa o trono. E foi popular, amada, respeitada, querida pelo povo dos diversos países que formam o Reino Unido, como mulher extraordinária que era.
Elizabeth foi uma das figuras mais marcantes do mundo por toda a segunda metade do século XX e ainda nas duas primeiras décadas do século XXI. Era, na realidade, um poderosíssimo ícone pop. Viveu na Inglaterra que viu o nascimento de um tipo de música popular que conquistou o mundo e deu grande prestígio aos ingleses. Viveu e compreendeu a importância dessa manifestação artística que Beatles e Rolling Stones sintetizam bem. Alguns personagens do rock britânico receberam o título de Sir, o maior concedido pela monarquia – Paul McCartney, Mick Jagger, Elton John, Eric Clapton, todos passaram a ter o Sir antes do nome e se orgulham muito disso.
Um filme de 2006 sobre a morte de Lady Di – A Rainha, dirigido por Stephen Frears – é um retrato muito interessante de Elizabeth e das tensões dentro da Família Real. O filme mistura documentário com ficção e percorre os dias que se seguiram ao acidente que, em 1997, matou a chamada Princesa do Povo. É particularmente tocante a sequência em que a rainha, com a sensação de já não ser mais uma monarca amada, vai à frente do Palácio de Buckingham e, junto das flores colocadas pelo povo em homenagem a Diana, aos poucos recebe manifestações de afeto e carinho de quem está ali chorando pela morte de Lady Di.
A morte da rainha Elizabeth II põe fim a uma era – lugar comum inevitável. Com ela no trono, todos nós vimos a História passando diante dos nossos olhos. Elizabeth não somente viu a passagem da História diante dos seus olhos. Foi sua protagonista. Todos sabiam que o fim estava próximo, mas muitos pareciam acreditar que não havia mundo sem a rainha. As primeiras notícias sobre o agravamento da sua saúde, na manhã dessa quinta-feira (08), indicavam que logo receberíamos a notícia da morte. Antes das três da tarde, no horário de Brasília, o mundo soube oficialmente que Elizabeth morrera. Aos 73 anos, o príncipe Charles se transformava no rei Charles III.
Os que viveram no mundo de Elizabeth aprenderam que o hino da Inglaterra se chama God Save the Queen. Deus salve a rainha. A melodia foi tocada até por roqueiros como Jimi Hendrix e os integrantes do grupo Queen. No mundo sem a rainha Elizabeth, no mundo do rei Charles III, é necessário assimilar uma mudança. O hino passa a se chamar God Save the King. Agora é King no lugar de Queen. Deus salve o rei.
⏤ Texto publicado originalmente no Jornal da Paraíba ⏤