A primavera nem havia chegado e eu ainda apreciava o colorido das bandeirinhas e o frescor matinal da chuva madrugosa. Era um sorriso balançando estirado em cima de um terraço enfeitado que permanecia pós-festas juninas. Talvez, um sinal da cíclica passagem humana. O calendário a girar meses e retornar com estações e festas, feito um trem de passagem pelas paragens a encantar os passageiros do vagão tempo.
E passavam pelas janelas dos olhos tantas aquarelas. As casas em manchas, o rio e as árvores misturados, os carros mais céleres e aparentemente parados, os chãos em tons flutuantes e quase naufrágios, a cidade em completa transformação. Dos seres uma multicoloração das peles e pelos espalhada pelos recantos que se enroscam, miscigenam-se, agregam-se, encantados.
Cores em ouro e negro do forte carro que guardava pseudo tesouros transportados sem mapa piratas. E as placas entrelaçadas deixavam de chamar a atenção ao se confundirem em desinformação. É um outro mundo como a lata de tinta atirada em protesto contra algo ou alguém, pois manchava a todos, o atingido e o arremessador.
Melhor os suaves tons das mãos infantis que acabavam de chegar ao mundo que o dedo acusador, mais forte é a textura da grama irregular por onde avançava uma bola quase perfeitamente redonda chutada por pés que se firmam a cada movimento, onde o chute é carícia. E logo teríamos novos matizes da cabeleira que dos fios longos passam a rarear com o tempo, enquanto crescem ou definham convicções, passeavam os anos. Do preto ou loiro para o grisalho e até todo o branquinho das transformações.
Singular cor do olhar que mira a essência da água oceânica que escorre pela rua e lava o inverno com outra chuva. Era lago, mar, rio transpostos como um Monet. Verdes, azuis, castanhos, negros e caramelos portas da alma. Pinturas além do toque do pincel, do grafite, do giz de cera, da criação do arco-íris feito de de flechas e cores de mini gotículas.
Era uma manhã colorida em pleno inverno. O aguardar pelo repouso dos abraços alegres ou o abanar sorridente de uma cauda e quatro patinhas. Tinha folhas de cajueiros, doçuras de mangueiras, travessuras da idade em troncos e galhos. Era lençol do Sol pelos chãos. Cores diárias reproduzidas a cada abrir de olhos da infância que se recria. Era o sabor de viver todos os momentos.