Parece-me incrível que a internet, como a conhecemos, seja apenas um ou dois anos mais velha do que meu painel Homenagem a Shakespeare, que é de 97, e do que meu neto Israel - de 96
Graças à Internet, passou a ser ágil e fácil a localização de coisas como o trecho em que, no Dom Casmurro, está a expressão “olhos de ressaca”, sem falar no extraordinário ganho de tempo, também, na reprodução da frase ou do parágrafo de que ela faz parte, num texto que produzimos. Isso, pra quem foi do tempo em que se datilografava uma crônica, tinha-se de levá-la ao jornal, onde um linotipista – como se vê no novo filme de Spielberg – The Post – repassava-a para suas matrizes, é espantoso. Imagine que fiz comerciais de TV em filmes de 16 mm e tive de levá-los ao Recife, para que fossem transmitidos pra João Pessoa. E como saciar a gigantesca e universal curiosidade em livros, jornais e revistas, principalmente enciclopédias, atualizadas apenas anualmente pelas editoras? Mesmo assim, eu teria de ter todas as bibliotecas do mundo pra conseguir o que obtenho instantaneamente no Google, o Evangelho em grego, por exemplo:
— εν (en) αρχη (arché) ην ο λογος (en o logos) - No Princípio era o Logos.
Ou o complexo Gênesis em hebraico:
— No princípio criou Elohym (Deuses) os céus e a Terra: בָּרָא (BÅRÅ) – אֱלֹהִים (ELOHYM) - אֵת הַשָּׁמַיִם (ET HASHÅMAYM) - וְאֵת הָאָרֶץ (VEET HÅÅRETS).
Hino Nacional em latim?
Audierunt Ypirangæ ripæ placida
Heroicæ gentis validum clamorem,
Solisque libertatis flammae fulgidæ…
Heroicæ gentis validum clamorem,
Solisque libertatis flammae fulgidæ…
Ah, o chapéu de Indiana Jones foi da fábrica Cury, de Campinas. Carmem Miranda é portuguesa de Marco de Canaveses. Carlos Gardel é francês de Tolouse. O inventor da máquina de escrever foi o padre paraibano Francisco João de Azevedo. A editora Palimage, de Portugal, pode lançar meu poema longo Trigal com Corvos. Eis os poemas de William Carlos William e de Vitória Lima, as esculturas de Camille Claudel e de Miguel dos Santos, as fotografias de Ansel Adams e de João Lobo. Fortunato e Ermelinda – meus pais? – Fico sabendo que se casaram em 08 de janeiro de 1930. Sobre meu avô paterno? Joaquim Solha nasceu em Lisboa, 06 de fevereiro de 1875, filho – eu também não sabia disso – do casal Constantino e Rita.
Felizmente o maestro Kaplan e eu tínhamos o amigo Doutor Paulo Maia – dono de uma coleção de LPs, DVDs enorme – e todos os sábados passávamos a manhãs lá, “ouvindo a melhor música do mundo”, como dizia o grande advogado. Aí apareceu o Youtube.
— Pavarotti na ária “Nessun Dorma” , da ópera “Turandot”, de Puccini? Revejo a hora que quiser essa “Prova dell'esistenza di Dio”.
De uma execução da Abertura 1812, de Tchaikovsky, com direito a sinfônica e canhões , até uma despojada pantomima de Marcel Marceau num pequeno palco de Paris; da sequência de “Shine” em que o pianista David Helfgott, ainda muito jovem, entra em parafuso ao tentar executar o belo... e dificílimo concerto número 3, para piano e orquestra, de Rachmaninoff, ao Daniel Barenboim chegando a extremos de beleza ao interpretar, lenta e singelamente, como se deve, o “andante” do concerto número 21 para piano e orquestra, de Mozart, ou a mesma obra com Gulda, Horowitz, Arrau, Glen Gould. Do hipersensível e afinadíssimo Caetano Veloso cantando Paloma, no filme “Fale com Ela”, de Pedro Almodóvar, à sequência do “Amadeus”, de Milos Forman, em que Wolfy, agonizante, dita a lindíssima “Lacrimosa” , do “Réquiem”, a um deslumbrado e trôpego Salieri, que acompanha (conosco) o raciocínio ágil e brilhante do gênio em pleno trabalho de criação – tudo está lá. Inclusive o coro de jovens da UNIRIO cantando trechos da ópera Dulcineia e Trancoso, libreto meu, música do maestro Eli-Eri Moura.
Fala-se no próximo passo: todo o conhecimento do mundo enxertado diretamente no cérebro humano. Acredito nisso.
(Trecho da AUTO B/I/O GRAFIA do autor a ser lançada)