Estava a uma distância suficiente para reconhecer o talhe do rosto. Os cabelos alinhados e a barba embranquecida indicavam como sen...

As lições de Solha

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Estava a uma distância suficiente para reconhecer o talhe do rosto. Os cabelos alinhados e a barba embranquecida indicavam como sendo o poeta Waldemar José Solha à minha frente, e este, a passos cadenciados, seguia pela calçada de mãos dadas com a esposa.

Retornava de minhas atividades físicas no final da tarde. Caminhava lento quando avistei Solha, no outro lado da rua, em debanda do mercado do Bairro dos Estados.

Acervo pessoal
Apressei o passo a fim de recolher para junto a presença deste artista engenhoso. Quem acompanha sua produção de poeta, romancista, ator, teatrólogo, escultor, pintor, pensador e filósofo sabe que não há exagero no que afirmo.

- Poeta Solha! -, gritei.

Ainda no outro lado da rua, ele vira o rosto, reconhece-me e para.

Relanceando o olhar para a direção de onde veio o grito, com sorriso aberto, ele me cumprimenta sem largar a mão da esposa. Ao me aproximar, falou:

- Vem da caminhada?

Nossa conversa foi curta, mas agradável. Lembrou os dois anos recolhido devido aos efeitos de um enfarto, além da pandemia. Durante esse período, como sempre, a casa foi seu mosteiro e retiro de meditação.

Sorocabano moldado no barro esturricado de Pombal, carrega consigo a sina de ter nascido em um País onde a cultura é arranhada. A obra que produziu e a capacidade criativa refletida em muitas vertentes das artes, em outro País estariam na galeria de escritores de elevados destaque mundial. Solha sempre foi um obstinado em busca de conhecimentos.

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Conheço Solha desde a década de 1970 quando, no terraço de Nathanael Alves, nos encontrávamos, e depois, em rápidos encontros no Banco do Brasil, eu sempre buscava seus ensinamentos. Foi o tempo quando ganhou o Prêmio Fernando Chinaglia, com o romance Ismael Rêmora. Em seguido, atacou com dois livros inquietantes: A Verdadeira Estória de Jesus e Zé Américo foi Princeso no Trono da Monarquia. Sem contar os poemas produzidos na mais alta categoria, e como pintor, produziu obras de elevado valor.

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Solha, com sua pena e seu pincel, elaborou destacadas obras-de-arte, seja na pintura ou na composição de poemas e romances engrandecedores da literatura nacional.

Naquela tarde, observava ele que caminhava lento, talvez pensando em harmonizar os mistérios da vida como sinfonia poética. O belo e o bom sempre são produtos da Arte, essa arte que humaniza a vida. Solha concebeu essa Arte. Ele trata com zelo a Arte e as amizades sem interesse.

Alicerçado nas muitas leituras e pesquisas, descobriu caminhos para sua produção literária. Aprendi com ele dicas que ajudam na produção de textos de ficção.

WJ Solha
— Seja paciente na elaboração do texto -, dizia há mais de quatro décadas.

Embalado por Cassimiro de Abreu e Carlos Drummond de Andrade, mostrei a ele pedaços de minha obra poética – versos sem rima -, e dias depois, sapecou-me depoimento revelado na sinceridade estimulante. Sobre determinado poema, disse-me imitar pintor chinês que, com única pincelada, dizia muita coisa. Um poema de poucas palavras que abordava a solidão do homem perdido na escuridão da vida.

Na tarde de nosso reencontro, mais de dois anos depois, relancei olhar agradecido ao amigo. No resto da tarde com sol amarelado de final da temporada de inverno, reproduzi na mente as palavras dele sobre minhas produções literárias e o conselho de anotar as frases e cenas do cotidiano, mesmo sendo durante o expediente de trabalho. Foi desse modo que construiu Ismael Rêmora. Elaborava capítulos à noite e, durante o dia, anotava alguma palavra que inseria no texto deste ótimo romance.

Em casa, agarrei o lápis e o caderno para rabiscar esse depoimento, remendo de crônica. Registro da amizade construída a partir dos encontros no terraço de Nathan. Estou consciente de que Solha ensinou a dialogar comigo mesmo, vendo na Arte uma saída para a vida sem revés.

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