Para nossos poucos conhecimentos sobre técnica de composição e linguística, a arte de traduzir parece ser uma das atividades literárias...

A Primavera de volta, sem máscara

Para nossos poucos conhecimentos sobre técnica de composição e linguística, a arte de traduzir parece ser uma das atividades literárias mais complexas. Escrever bem, já o é. Ainda que prazeroso, quando conta com a ajuda da inspiração — ferramenta capaz de fazer com que a imaginação e o conhecimento fluam à linguagem de forma tão pura e cristalina quanto a sinceridade de quem a escreve.

Na tradução, entretanto, a mudança de idioma pode acarretar, vez por outra, algumas distorções, até mesmo na essência do conteúdo. Traduzir poesia é muito mais complexo. Pois como é difícil manter a estrutura métrica e a rima, com mínimo rigor, ao se traduzirem poemas para outra língua...

Alguns autores têm destreza e talento para moldar a tradução poética com maior proximidade literária entre os idiomas. Chegam a surpreender, poemas que, ao serem traduzidos, preservam praticamente imaculado o néctar de toda a inspiração, de todo o imaginário original, com supreendente fidelidade, inclusive na rima e na métrica.

O professor Milton Marques Júnior, apesar de se dizer humildemente “amador” na poesia, o que não é verdade, demonstra possuir domínio extraordinário em suas traduções. Traduções que consistem em obras concebidas não apenas em outra língua, mas em nova estética formal, preservando-lhes o espírito poético, como alma que reencarna, sem perder as singulares características de sua individualidade. Tais como as admiráveis transcrições musicais que grandes compositores escrevem, transformando óperas e sinfonias em obras para piano ou vice-e-versa.

Em homenagem à Primavera que se inicia hoje, com o dia do tamanho da noite, e o caminho do Sol a 90 graus de leste a oeste, citemos o trabalho que Milton realizou ao traduzir o poema Peruigilium Veneris, escrito há quase 20 séculos, de autoria não definida. Atribuído ao poeta latino Floro (s. II a. D.), que teria vivido em Roma, na corte de Adriano, o poema romano é “um hino à deusa Vênus e, ao mesmo tempo, uma Sagração à Primavera”.

Todo este magnífico poema é uma ode à Primavera como estação sensual, prenhe de luz e vida, como está sintetizado neste parágrafo do livro de Milton Marques - “Peruigilium Veneris, uma sagração erótica à Primavera” (Tradução, Estudo e Glossário):

“A primavera como estação purpúrea está em sintonia com o nascimento de Vênus e o derramamento de sangue de Uranos, cuja morte é para que todos os não-nascidos, que se encontram no seio da mãe-terra, Gaia, possam vir à luz e viver. Assim é a metáfora da primavera, criada pelo autor do Peruigilium: a semente que se encontra no seio da terra e as plantas que se fecham, durante o inverno, para conservar sua seiva, germinam e renascem na primavera, em colorido exuberante, diferente do tom cinza da estação anterior."

Saudemos, portanto, a estação de cores que esta noite se inaugura. A primavera que nos traz de volta os abraços, dantes suspensos. A primavera que volta a sorrir nos rostos sem máscaras, na vida que segue, no aperto de mão, no embalo dos sonhos que se renovam.

Nature Uninterrupted
Saudemos a rosa, de riso gratuito, de cor que inebria, que traz a alegria, nunca tardia. Saudemos a poesia, o Peruigilium de Milton, tão bem traduzido, na então Primavera que vem dar à luz, em “ O Baile na Flor”:
 
 
Que belas as margens do rio possante, Que ao largo espumante campeia sem par!... Ali das bromélias nas flores doiradas Há silfos e fadas, que fazem seu lar… E, em lindos cardumes, Sutis vaga-lumes Acendem os lumes P'ra o baile na flor. E então - nas arcadas Das pet'las doiradas, Os grilos em festa Começam na orquestra Febris a tocar... E as breves Falenas Vão leves, Serenas, Em bando Girando, Valsando, Voando No ar!...

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