Um velho Timbira, coberto de glória, Guardou a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Do qu...

A guerra bate à porta

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Um velho Timbira, coberto de glória, Guardou a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Dizia prudente: – “Meninos, eu vi!”
Décimo canto do poema épico I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias
Preso liminarmente em um desses dias de chuvas que nos atingiram nos últimos dias, preconizando a primavera que se avizinha, pus-me a imaginar como preencher esse dia. Terminei por empreender uma jornada de relembranças de tempos idos, percorrendo um itinerário, que embora não tendo o lirismo das lembranças do poeta Jomar Muniz de Brito, no seu Itinerário Lírico da Cidade de João Pessoa, me levou às ruas que marcaram a minha infância e parte da adolescência, revivendo
Rua da República ▪ JP
alguns episódios que ficaram na memória, um dos quais relembro neste instante.

Para cumprir a parte mais significativa desse viver, tive, então, de definir o roteiro da viagem, inicialmente estabelecido na Rua da República, o Largo da Cadeia Pública e a Rua Visconde de Itaparica, universo infantil que foi gradativamente ampliado com o passar dos anos e onde testemunhei episódios marcantes de uma época que a cidade esqueceu com certo desdém, que não se deu nem à consideração de atribuir àquela área a denominação de bairro.

Originariamente uma via bastante significativa de nossa idade, como porta de entrada e saída para o interior do Estado, a Rua da República foi palco de uma das manifestações de maior significação patriótica naqueles tempos pré-guerra, pois foi ali que se manifestou com mais intensidade o grande protesto que nos lembrou que a Segunda Guerra Mundial batia às nossas portas.

“Meninos, eu vi.”

Deles, o que mais me marcou foi o levante popular apoiando a entrada do Brasil na luta contra o nazismo, naqueles idos da década de ’40, do Século passado.

Ladeira da Matarazzo ▪ JP
Residindo em um quase sítio, na esquina da Rua da República com a Rua Visconde de Itaparica, acordei certo dia com um alarido que já espantava os mais velhos da casa, que me levou, com a natural curiosidade infantil, a olhar por uma das janelas da casa para ver o corre-corre das pessoas na rua e ouvi, então, com mais intensidade o barulho de um grande grupo de pessoas que já começava a aparecer, rua acima. Pus-me apreensivo ao ver meu pai, envergando a farda a que tinha direito, à época, como Chefe da Inspetoria de Trânsito da Cidade, empunhar uma pistola e ir para o meio da rua, postando-se a esperar por aquela multidão, que descia a rua aos gritos, em direção ao que chamávamos “Ladeira da Matarazzo”.

A ele, logo se juntaram ele os Coronéis Ramalho e Viana, residentes na mesma rua, ambos portando suas armas regulamentares, e, também, alguns soldados, integrantes da guarda da Cadeia Pública, que fizeram frente àquela turba que pouco antes incendiara a fábrica de colchões que a família Trocolli mantinha no início da rua, quase na esquina da Avenida General Osório e agora se dispunha a justiçar os “pobres” italianos, então declarados “agentes do Eixo”, infiltrados na Paraíba, para orientar os futuros desembarques de tropas nazistas a caminho de nosso litoral, como deixava antever o noticiário do Repórter Esso, que no dia anterior registrara o torpedeamento de vários navios mercantes, dentre os quais alguns brasileiros, que navegavam em nossa costa.

Portão de entrada das Indústrias Reunidas Matarazzo, na Rua da República ▪ JP
Bem postado naquela arquibancada, sob os gritos de “sai daí, menino”, logo, vi também, prás bandas da Rua Maciel Pinheiro, a fumaça escura dos incêndios da Metalúrgica dos Heim – alemães perigosos e, ao longe, da Chapelaria do chinês Chiang, que poderia ser outro poderoso agente dos invasores, dada sua semelhança com japoneses.

Felizmente, entre mortos e feridos, salvaram-se todos e nós ingressamos no regime de cuidados e prontidão bélica que incluía, até, o escurecimento dos vidros das janelas, para permitir que nesse cômodo se acendesse uma fraca luz, que podia ser até de uma singela vela, luz essa, que para muitos dos viventes daquela época, poderia ser vista por alguns submarinos inimigos que poderiam estar a navegar nas proximidades de nosso Cabo Branco.

Meninos, eu vi...

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  1. José Mário Espínola14/9/22 00:36

    Num agradável passeio pelo centro antigo de João Pessoa, o autor faz revelações históricas que a maioria de nós desconhecia.
    muito bom, Arael!

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  2. Que crônica histórica maravilhosa! Parabéns Arael Costa.
    Socorro Souza.

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  3. Muito grato Arael, recordo nessa crônica a minha linda João Pessoa com a histórica rua da República tão magnífica até hoje, embora abandonada pelo poder público. Feliz demais por contemplar fatos do passado histórico da minha terra querida.

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    1. Comentário de Marcos Ferreira

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