Lembro da amiga paulistana que levei para conhecer as belezas do litoral sul da Paraíba. Coqueirinho, Tabatinga e… Tambaba – nosso paraíso naturista. Convidei-a para entrar e recebi a melhor resposta: “não estou vestida adequadamente”. Nunca mais esqueci. Não achei engraçado. Apenas refleti sobre não estar com chapéu de palha e camisa xadrez numa festa junina. A nudez só existe de fato quando fechamos os olhos. Nudez de verdade é pensar e sentir. Uma pele apartada da poeira no forró de feira que é existir.
Não foram poucas vezes em que não estive adequado aos ambientes. Não gosto de nada convencional. Terno e gravata? Vesti sim. Raras vezes, é verdade. Foi como entrar de cocar e tacape numa aldeia Yanomami, fingindo ser o que não era. Certos ambientes apenas apontam as estratificações da vida. Fico pensando em Luiza Trajano. Como será ter caído da nau dos bilionários para ser da ralé milionária. Pode estar sofrendo horrores, mas não está na fila do osso. A conheci dançando Quadrilha na Fazenda Acauã, no Sertão. Não estava vestida de pessoa rica. Era apenas uma mulher sendo feliz.
Já tropecei e caí em ambientes exóticos. Algumas vezes, enquanto enrolava o paraquedas, olhei para os lados e para meus pés. Homens e mulheres alinhadíssimos, mas bregas. Sorrisos desconfortáveis. Sapatos brilhantes e cabelos domados. Meus pés calçavam a sandália da discórdia. Jeans e camiseta do MST. Cabelos indomados desenhavam minha natureza. Fiquei o tempo necessário para entender que aquele ambiente não me fazia falta. Olhei para o amigo que me convidara e disse: “Seu arrombado! Nunca mais, viu?” Ainda assim me percebi bem mais terno sem terno.
Tenho preferência pelas coisas mínimas. Versos mínimos. Exigências mínimas. Distâncias mínimas. Mesmo percorrendo léguas. Gosto do que aproxima e acolhe. Gosto do meu lugar de falha. Por isso não entendo a formalidade da nudez obrigatória em área naturista. Cada qual tem sua forma de estar nu. É como exigir traje esporte fino num desfile de escola de samba. A vida passa longe das colunas sociais. As plateias seletas me lembram um filho de ex-governador dizendo para uma liderança do campo popular: eu tenho berço! Berço, bebê? Eis o orgulho do privilegiado num mundo desigual.
Penso nisso cada vez que passo numa mortuária. Lá estão os arrogantes. Todos estirados. Elegantes pela primeira vez na vida, talvez. Os eternos, também. A morte come aos pedaços toda vaidade. Também a vocação para frequentar apenas os salões. Aqueles ocupados por quem pela gang da meritocracia. Os párias da condição humana. Gente que olha com nojo e medo os garotos que surgem aos montes nos sinais pedindo um trocado. Num gesto de limpar para-brisa de tanto lambe-botas engravatado.
A elegância não frequenta os salões. Não usa roupas de grife. Não modela as coxas na academia. Não se embriaga no Pub da moda. Não tem ações na Bolsa de Valores e nem estica a noite no motel mais caro. Elegante era Elza Soares que encarou de frente um país racista e sustentou a vida na esgrima da voz e da arte. Elegante é o Padre Júlio Lancelotti que enxerga Deus no rosto dos desamparados e combate o fascismo nas suas pregações. Saiba que seu corpo é sua verdadeira casa. Saiba que o que jamais te deixará nu é a tua capacidade de compreender a complexidade das coisas simples.