“ Eu, filho do carbono e do amoníaco ” (Augusto dos Anjos) Sou leitora do cronista maior/amor, Gonzaga Rodrigues , e acompanho os s...

Zezinho Tavares

Eu, filho do carbono e do amoníaco
(Augusto dos Anjos)

Sou leitora do cronista maior/amor, Gonzaga Rodrigues, e acompanho os seus escritos sobre as suas perdas: dos amigos, das ruas, da cidade, e do tempo. Já vivo tudo isso e ainda há uma margem de poucos anos menos que ele. Nessa pandemia então, perdi amigos, conhecidos, contemporâneos e com eles, lá se foi um pouco de mim também. E a cidade? Estou igual à minha mãe que, por onde passava, apontava os moradores de cada casa. Eu hoje faço o mesmo. Aqui morava fulana; ali, beltrana. Aquela casa era aonde eu ia estudar com Maria, aquela outra onde eu namorava com João; lá mais adiante conversava com as amigas. E quando passo pelos bairros centrais, mesmo aqui pela praia, já não re-conheço minha cidade. Prédios e prédios tomaram os lugares das casas da minha cidade. João Pessoa cresceu e transfigurou-se. O tempo!

Zezinho Tavares
Semana passada perdemos o médico/geneticista e enxadrista, José Arnaldo Tavares. Filho de Dr. Arnaldo e D. Otaviana Tavares, irmão do artista plástico, Flávio Tavares, Tereza, Paulinho, Sérgio e Carlos Alberto, esses últimos in memoriam. Zezinho era meu cunhado (sim, não nos separamos dos cunhados!) e compadre. Sou madrinha da sua filha Mariana. E tinha uma relação próxima durante muitos anos da vida. Conheci-o em 1969, na sua casa, Rua das Palmeiras, uma casa efervescente. Ele se formava em Medicina e fez uma festa no quintal. Eu chegando à casa, no auge dos meus 15 anos.

Conheci seus amigos, muitos dos quais já se foram também. Zezinho e sua irreverência, rebeldia, transgressão, liberdade, graça, generosidade, sedução, competência, até mesmo uma certa impaciência para com a vida. E que gostava de poesia: Augusto dos Anjos, Cora Coralina e me apresentou Sophia de Mello Breyner. A partir daí, visitei-o em Ribeirão Preto, quando fazia a sua pós-graduação, conheci Brodowski, terra do mestre Portinari; fui assistir ao show de Gal Costa, Fatal? Em Sampa. E muito brindamos vida afora. Depois ele morou comigo e o seu irmão Flávio, um tempo; comigo pós-separação e juntos tomamos algumas cervejas com grupos de amigos dos tempos e dos dias varados no MotoCar, Boiadeiro, ou alhures. Depois Zezinho era frequentador do icônico Bar do Pau Mole e do Meu Cacete, nomes pitorescos para os drinques da época.

Zezinho em atividade médica
Zezinho jogava xadrez com meu pai Romero, e com o seu, Arnaldo. Era rápido no gatilho. Digo, no relógio. E quando voltou das suas capacitações acadêmicas, virou meu médico de cabeceira. Quando pari Lucas, no HU, foi ele quem me acompanhou. Na Dengue, mais recentemente; nas minhas inseguranças da saúde; e principalmente quando me vi fragilizada pelas rupturas da vida, foi Zezinho que me acolheu e me confortou em estados d'alma que eram desconhecidos para mim.

Os anos se passaram, a vida nos separa, ainda mais porque Zezinho ganhou os mundos. Estados Unidos e África, onde estudou e trabalhou como um médico humanitário. Mas as minhas relações com Zezinho, e com Lela, sua companheira da vida e das estradas sinuosas do amor, estiveram sempre presentes.

Mas, recentemente, encontrava-o no café do shopping e tínhamos segredos compartilhados. Zezinho era um "menino em roupagem de homem", como diz, Gracita, amiga em comum, e adorava me confidenciar suas traquinagens. Como mulher condenava, como ser humano, ouvia-o, e me perguntava sobre a natureza humana. Demasiada humana!

Há pouco mais de um mês, com o carro cheio das mudanças do apartamento esvaziado da minha mãe, paramos eu, minha irmã Bebé e seu companheiro Fernando, no Tasquinha do Tio, Mag Shopping, para um chope restaurador.
Ana Adelaide e Zezinho Tavares
Quando fomos embora, avistei Zezinho numa mesa, sozinho, e fui lá lhe dar um abraço. Oferecemos carona e viemos abraçados e espremidos no carro cheio de objetos da minha mãe. Tudo misturado. Na porta da sua casa nos abraçamos. E foi com esse abraço que me despedi do cumpadre! Mas no sábado antes da sua partida, parada num posto de gasolina perto das nossas casas, avistei-o entrando numa loja de conveniência. Pensei em estacionar o carro para lhe dar outro abraço, quase véspera da sua despedida, mas estava a caminho da feira para comprar feijão verde e sapotis. Não o fiz. E, na segunda feira, ao saber da sua morte, como me recriminei em não ter parado... Mas a morte não avisa.

Zezinho deixou tantas saudades... Tão amado! E admirado! Despediu-se da vida longe de casa, pronto para trabalhar, o seu ofício de médico da família. O que fez de melhor – o seu trabalho.

Naquela mesa tá faltando ele... Mas a mesa, naquela segunda feira, tinha a placa de reservada e, a postos, o seu whisky preferido. Homenagem dos garçons.

Adeus meu querido cumpadre-amigo da vida toda. Viva Zezinho! Que brilhe nas estrelas!

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