Por sugestão de amigos, admiradores e, sobretudo, dos que se envaidecem da identidade, das distinções e vocações da Paraíba de todos os tempos, o fotógrafo Antônio David se dispôs a selecionar e reunir em álbum tudo ou quase tudo do que surge e ressurge da saga do vaqueiro na memória ufanista nordestina.
Guardo, de algum tempo, duas ou três dessas fotos, e nunca pude deixar de revê-las. Cada vez descubro e redescubro, como se fosse a primeira. Ora é a paisagem, noutra a fúria de tudo, do boi, do vaqueiro inteiro desde a tempestade do rosto aos ímpetos de agilidade e força dos braços, das pernas, dos seus tentáculos reagindo à galharia seca e à quebradeira. Por piedoso que possa ser o olhar em favor do animal, termina rendido ao espetáculo brutal que tentamos sublimar no trato civilizado da vida. Trato que nos deixa aguçados de apetite e fome na hora do grelhado.
Guardo, de algum tempo, duas ou três dessas fotos, e nunca pude deixar de revê-las. Cada vez descubro e redescubro, como se fosse a primeira. Ora é a paisagem, noutra a fúria de tudo, do boi, do vaqueiro inteiro desde a tempestade do rosto aos ímpetos de agilidade e força dos braços, das pernas, dos seus tentáculos reagindo à galharia seca e à quebradeira. Por piedoso que possa ser o olhar em favor do animal, termina rendido ao espetáculo brutal que tentamos sublimar no trato civilizado da vida. Trato que nos deixa aguçados de apetite e fome na hora do grelhado.
Com uma das fotos de encanto superior ao descritivo, apelei, em texto de alguns meses, para “o óleo de cores sobre tela que lembra Frans Post, tão exuberante de luz e de força quanto muitas que os pintores holandeses deixaram, nos meados do 1600. David agora neste século exageradamente fotográfico”.
Por que vaqueiros? Por representar a região onde nasceu o país. O país da Bahia para cima tendo como ponto mais equidistante a Paraíba. Não teria sido por outra que Assis Chateaubriand simbolizava as vantagens da impetuosidade ou desassombro do seu destino a essa figura central do ciclo pastoril do Brasil-Nordeste. Embaixador, encenou apresentar-se à rainha da Inglaterra nas mesmas véstias de couro do cowboy nordestino.
E recorrendo a Cascudo leio este achado: “Na criação do gado, a lida unificou os homens ricos e pobres. Os donos e os escravos na mesma linha tenaz de coragem e de batalha. Não pode haver diferenciação específica nas missões de dar campo, para o moço branco e o negro escravo. São dois vaqueiros. Vestem a mesma véstia de couro. Encontraram o mesmo perigo, o mesmo carrascal (...) vão os dois, patrão e servo, para a mesma batalha, lado a lado, ao encontro do mesmo fim, com disposições idênticas e nas veias a mesma herança orgulhosa de vaqueiro e de cavalo sem derrotas”.
É como vê um homem de linhagem certamente senhorial. Num dos meus velhos escritos restritos à freguesia, com os olhos no chão, achei que essa camaradagem entre senhor e servo sertanejos se devia à meia no algodão. Se a terra não era dividida, já não se dava o mesmo com o plantio histórico do algodão. Limpando, plantando e tratando, o escravo ou servo, nas versões de sempre, ganhava a meia. As relações sociais não se extremavam como no plantio da cana na zona brejeira. Tanto assim que, chegando com um Rolim deputado em sua fazenda de Cajazeiras, os vi, fazendeiro e vaqueiro ou camponês se tratarem à distância. Os moradores sentados estavam e sentados ficaram: “Bom dia, vocês / Bom dia, Epitácio”. Meu pai, modesto dono de uma engenhoca de rapadura, era tratado de major.
Mais do que álbum feito para os olhos, esse dos Vaqueiros é a sagração de uma memória, de um povo nas cores vivas de suas lutas presentes e mais remotas.