Foi numa tarde de primavera que as vi pela primeira vez. Vermelhas, amarelas, roxas, brancas e laranjas, estendiam-se como aquarela até onde a vista alcançava, ao longo da baía de San Francisco.
Flores.
Delicadas, miúdas, elas colorem o chaparral e se estendem por colinas e penhascos de toda a costa do Pacífico, na California.
Brotam sem pejo, sem medo, sem limites, indiferentes ao perigo representado pelo vento feroz que vem do oceano e açoita as encostas íngremes.
Diante do tapete colorido que tecem, é fácil imaginá-las frágeis. Toco suas pétalas com a ponta dos dedos. Aveludadas, macias. A criança que ainda sou quer trazê-las consigo, reter por algumas horas sua esplêndida beleza.
Tento colher uma delas – que crime! Estendo as mãos e noto que elas estão firmes no solo. Têm caules grossos, raízes fortes. A resistência me desafia, puxo mais forte. Elas não cedem.
Desisto.
Agora entendo porque seu nome completo é flor selvagem. Não se curvam à força. Se nem a ventania bruta as arranca do chão, imagine eu.
Artemísias, lírios, copos de leite, papoulas, flor de sabugueiro e de amora selvagem, prímulas, margaridas, malvas e pequenos girassóis se derramam pelo caminho, tingindo a rota de infinita graça. Para notá-los, é preciso estar atento ao que está próximo. Difícil, já que o mar é visgo para o olho da gente. As ondas hipnóticas rugem e se atiram, loucas, sobre as pedras. Dividir a atenção, neste caso, é gesto sábio.
Quando se desvia os olhos da imensidão e se capta a beleza pequenina que brota a poucos passos, é possível descobrir um novo amor – daquele tipo novo e avassalador, cujo nome pode ser poético: lanterna de fada, botão de ouro, baby blue eyes, glória matinal.
As pequenas flores nas encostas despertam em mim uma avalanche de sensações e pensamentos. Carinho maternal, metáforas, exercícios filosóficos. Deixo-os todos para a imaginação de quem lê este texto.
De minha parte, percebo que as flores me enredam em suas teias de sonhos. Tão logo ponho nelas os olhos, algo se adoça em mim. Inspiro profundamente a brisa que sopra do mar e deixo surgir no peito um sentimento de estar irmanada a algo muito maior. Como se os pés tivessem também raízes e toda a poeira de estrelas que compôs meu corpo de repente apresentasse seu comprovante de DNA. Veias, músculos, ossos e sangue pulsam no compasso do coração da terra.
Venha cá, junte-se a mim – apelam todas as coisas.
Eu vou.