Era quase passatempo tamborilar os dedos de forma brincante pelo lápis. Depois de um pensar instantâneo, a mão começava a desenhar no papel os sabores, os cheiros, os desejos, os futuros, a vida, até a morte. Letras, curvas, tinta e papel ganhavam formas imaginariamente definidas. E dali surgiam casas, carros, árvores, mãos, olhos, uma infinidade de pensamentos que soltavam para a superfície do branco mundo.
O pequeno som compassado do relógio chamava a atenção mental e era decifrado em palavras desenhadas ou desenhos escritos. Era mais que tic-tac, era gaiola para o tempo, garagem dos segundos, minutos, horas. Conectado com Sol e Lua era giro da esfera planeta, era a artificial mania humana de controlar as coisas, as palpáveis e as abstratas. Enganado ser que vaga pela Terra. No papel, agora era mais um figurante junto a tantos outros na composição da cena. No recanto, só o avançar dos ponteiros.
Era como uma casinha construída na folha criada pelos chineses. Que danado era preciso ter chaminé soltando fumaça pelas bandas vizinhas do Equador. Disparate dispensável, mas permanente no contorno dos dedinhos infantis. E sempre havia uma árvore frutífera, muito provavelmente uma macieira. Em épocas de arranha-céus e muros com cercas eletrificadas e câmeras de monitoramento, a morada saía da ponta mágica que salpica tintas com limites de uma cerquinha de madeira baixa. No céu, existia sempre nuvens feitas de flocos de algodão.
E surgiam flores, barquinhos a vela, rostos, bichos, estradas... Um mundo erguido que derrubava muros, pois atravessava as separações do homem. Do desenho erguiam-se realidades, raridades. As menininhas numa ciranda, os meninos correndo atrás de uma bola, as coloridas festas folclóricas, o infinito pensar. Surgiam rios, carrosséis, montanhas, foguetes espaciais, mente que voava, pulava, saltava, dava cambalhotas.
O pensamento, o lápis, o papel e o voo num balão era plenamente possível sem sair do chão. A neve já nem era tão fria e até esquentava o coração. Sim, o Papai Noel existia, assim como o Minotauro, um fantasma embaixo de um lençol. Eram desenhos vivos ao redor da existência meia irreal e que centralizava o mundo, enquanto o resto dos seres e coisas orbitavam ao redor dos dedinhos.
Os olhos fixos conectavam o papel, havia eletricidade entre os dedos e a mente através do lápis. Qual o sentido de rabiscar música com os dedos, a caneta, a pena, o giz de cera? Cores e odores retransformando imagens gravadas, a tradução de uma nova leitura.