A Batalha de Campo Grande: o começo da popularidade
Em 1864, teve início a guerra que foi para o Brasil a mais violenta de sua história e um acontecimento marcante para a América do Sul: a Guerra do Paraguai. O conflito durou seis anos, deu lugar a numerosas batalhas, e terminou em 1870, com a morte de Francisco Solano Lopez, ditador paraguaio.
Entre os diversos comandantes da armada brasileira, Louis Philippe Marie Fernand Gaston d´Orleans, o conde d’Eu, filho do duque de Nemours e marido da princesa Izabel, filha do imperador Pedro II, desempenhou papel de destaque. Ele foi nomeado comandante em chefe das forças militares brasileiras em 22 de março de 1869. Sob seu comando aconteceu uma das batalhas mais significativas daquela guerra: a batalha de Campo Grande. (REIS: 90). A luta teve inicio às oito horas da manhã de 16 de agosto de 1869 em um lugar chamado Ñu-Guazu ou Campo Grande.
Fonte ▪ Wikimedia
Pedro Américo já era então professor da Academia Imperial de Belas Artes, selecionado por concurso dois anos antes, ainda sem ter exercido as funções do seu cargo uma vez que depois do concurso retornou à Europa em período de licença da Academia, autor de uma pequena produção pictórica executada principalmente na França, o artista era na época um completo desconhecido do grande público de seu país e mesmo do meio mais erudito brasileiro. Suas chances de obter encomendas importantes, portanto, não eram significativas e ele contava principalmente com a possibilidade de continuidade da proteção do imperador - a quem ele havia contrariado permanecendo mais tempo na Europa do que o desejado pelo monarca — e na sua capacidade pessoal de articulação.
O ufanismo da vitória brasileira e o seu senso de oportunidade lhe mostraram o caminho a seguir: registrar aspectos dessa guerra extremamente popular e conseguir, assim, sua própria popularidade. Para tanto, escolheu um tema inserido no assunto que mobilizava todo o país: A Batalha de Campo Grande. Para descrever essa ação, escolheu como personagem principal da composição o genro de seu benfeitor, Pedro II, o conde d´Eu, em um momento de destaque por arrojo pessoal na luta então travada.
Pedro Américo: A Batalha de Campo Grande ▪ 332 cm x 530 cm ▪ 1871 / Museu Imperial, Petrópolis
Dentro desse contexto de retorno, ele iniciou uma atividade paralela bastante intensa na imprensa brasileira colaborando, inclusive, como caricaturista no jornal de costumes A Comédia Social, onde já trabalhava o seu irmão: Aurélio de Figueiredo. A autoria da produção das caricaturas nunca foi assumida por Pedro Américo. Álvaro Cotrin, pesquisando sobre o assunto, justifica essa ausência de reconhecimento pessoal da produção devido ao caráter vaidoso do artista que não a considerava uma atividade relevante. (COTRIN, 1983: 22).
Pedro Américo ▪ 1843—1905
Dentro desse contexto, Pedro Américo concebeu uma hábil estratégia para divulgar seu trabalho ainda em projeto. Graças à doação de suas netas Virgínia e Carlota Cardoso de Oliveira, ao Museu Imperial de Petrópolis, de uma coleção de recortes de jornais sobre o quadro, com anotações pessoais do artista, pudemos seguir com precisão essa campanha concebida, desenvolvida, executada e bem sucedida através dos instrumentos de comunicação da época. (ZACCARA, 1995: 59, Volume I).
A primeira referência sobre o assunto aparece em um artigo assinado por Ladislao Netto publicado no Jornal do Commércio de 15 de junho de 1870. Intelectual de prestígio junto à corte e amigo do pintor ele faz, então, crítica repleta de elogios, extremamente prematuros, sobre o trabalho que estava sendo desenvolvido. Na época, a tela se encontrava ainda em condições de esboço e só um ano mais tarde ela foi apresentada oficialmente à família imperial que a visitou em 11 de maio de 1871 de acordo com matéria publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro daquela data.
Fonte: Wikimedia + Biblioteca Nacional
Em 28 de agosto de 1871, um artigo publicado no Jornal da Tarde, atribuído à redação, informa ao público que o deputado pela província do Rio Grande do Norte, Gomes da Silva, havia proposto ao governo comprar o “trabalho patriótico” de Pedro Américo.
Biblioteca Nacional
Os artigos se sucederam, já então favoráveis e desfavoráveis. Segundo anotações do próprio artista, nesse diário constituído de recortes de jornais, um inimigo dos artistas brasileiros entrara em cena naquele momento e publicara ofensas a Pedro Américo e a Victor Meirelles. De acordo com a ótica de Américo o objetivo seria provocar a discórdia entre os dois artistas e criar uma imagem negativa de ambos para o público. É difícil compartilhar essa opinião. Pedro Américo havia organizado uma campanha publicitária eficiente (durante o mês de setembro de 1871, por exemplo, não há praticamente um só dia em que ele ou o seu trabalho não sejam citados na imprensa) e uma reação a ela não seria estranha. Principalmente, se levarmos em conta, que, naquele momento, os que se manifestaram “contra” Pedro Américo denunciavam principalmente sua autopublicidade. Não questionavam o seu trabalho. O jornal O Guarani de 2 de setembro de 1871, por exemplo, abordou o assunto sob esse ponto de vista. Só depois que a obra foi exposta ao público é que se passou a discutir estilo e, principalmente, fidelidade histórica.
Wikimedia + BN
No fim do ano de 1871, Pedro Américo era uma personalidade notória mesmo sem seu trabalho ter sido exposto oficialmente. Todos, republicanos e monarquistas, queriam partilhar essa popularidade. Mesmo os que não simpatizavam com o artista participavam, daquele momento de notoriedade, através da imprensa, por meio de críticas ou debates. Um artigo assinado por Bittencourt da Silva, arquiteto e professor da Academia Imperial de Belas Artes, por exemplo, atacou seu colega Pedro Américo com certa violência no Jornal do Commércio de 7 de setembro de 1871. No artigo o arquiteto denunciou que a fidelidade histórica teria sido desrespeitada pelo autor. No mesmo jornal, no mesmo dia, uma matéria anônima questionava os méritos da produção artística de Américo. Estava lançada a disputa entre os inovadores, partidários do Romantismo ainda questionado pela Academia brasileira e os conservadores, partidários dos rigores do Belo Ideal neoclássico.
Biblioteca Nacional
Naquele momento, a popularidade do artista era imensa. As mais eminentes personalidades lhe visitavam, poemas eram escritos em sua homenagem, botânicos amadores batizavam flores com seu nome
Auto-retrato / Wikimedia
Finalmente, o governo brasileiro cedeu às pressões e comprou a discutida tela por 13 contos de réis em 27 de janeiro de 1872. O público ainda não a conhecia e ela foi exposta, dois meses depois, durante a XXII Exposição Geral da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, inaugurada em 6 de março de 1872.A exposição recebeu a visita de mais de 60.000 pessoas segundo estimativa do jornal O Mosquito de 13 de junho de 1872. Logo em seguida, Américo recebeu várias encomendas entre as quais uma do governo brasileiro. Ele foi encarregado de executar uma tela sobre a história brasileira e novamente investiu na Guerra do Paraguai escolhendo como tema outra de suas batalhas: A Batalha de Avaí.
Pedro Américo: A Batalha do Avaí ▪ Óleo sobre tela ▪ 600cm x 1100cm ▪ 1872/1877 / Museu de Belas Artes, Rio de Janeiro
A Batalha de Avaí: a afirmação da popularidade
Após um período de pesquisas sobre o tema, Pedro Américo conseguiu uma licença remunerada da academia brasileira e partiu para Florença com a família onde deu início à nova composição, de grandes dimensões, que solidificou sua notoriedade como pintor de batalhas. Como no Brasil, em paralelo à confecção da obra, ele utilizou sistematicamente a imprensa italiana que o visitava constantemente em seu ateliê florentino. Vários artigos apareceram, então, nos jornais de Florença e Américo começou também a ser conhecido naquela cidade.
Florença, em 1877
Alguns ensaios apareceram sobre o seu trabalho naquele momento. Entre eles Itália e Brasile, escrito por Francesco Becherucci, crítico de arte florentino (BECHERUCCI, 1877). A maioria dos biógrafos de Américo afirma que, nessa época, a administração da cidade de Florença solicitou do artista um auto-retrato para ser exposto na Galeria dos Ofícios.
Pedro Américo: auto-retrato ▪ 1895 / Galeria dos Ofícios, Florença
Concluída a mostra, o trabalho foi enviado para o Brasil em abril de 1877. O país aguardava a exposição do quadro com impaciência. Victor Meirelles de Lima, o principal concorrente de Américo em termos de popularidade, também havia obtido uma encomenda do governo brasileiro e pintava A Batalha dos Guararapes [Figura 4]. Era inevitável a expectativa do público no sentido de comparar as duas obras. A tela foi exposta inicialmente numa construção de madeira situada na Praça Pedro II no Rio de Janeiro. Para admirar a pintura, que havia feito tanto sucesso na Europa, o visitante devia pagar sua entrada.
Após essa mostra Pedro Américo tornou-se ainda mais popular. Seu objetivo, naquele momento, era retornar o mais rápido possível para a Europa onde o aguardava sua família. Antes, entretanto, necessitava receber o pagamento referente à encomenda da tela A Batalha do Avaí do governo imperial. No que se refere a essa etapa o artista passou por algumas dificuldades. O contrato celebrado entre ele e o governo de Pedro II previa que o preço da obra deveria ser estabelecido por profissionais expressamente convidados para essa tarefa (OLIVEIRA, 1943: 100-102) e o governo deveria aceitar essa avaliação. Pedro Américo havia contatado membros da Academia de Florença para exercer essa função e a obra foi avaliada por eles em 53 contos de réis. O governo brasileiro considerou o preço excessivo e pagou somente parte da quantia:
Biblioteca Nacional
Apesar de não receber o resto do montante estabelecido pela avaliação da academia florentina, Pedro Américo retornou àquela cidade após obter nova licença do governo. Instalado na Via di Mezzo n. 4, ele continuou a pedir e a obter novas licenças e a tentar conseguir novas encomendas. Propôs, na época, através de carta endereçada ao Marques de Herval, seu amigo e detentor, no momento, de grande influência política no governo brasileiro, pintar a batalha travada no dia 24 de maio (outra batalha acontecida durante a guerra do Paraguai) por um preço razoável e com as mesmas dimensões da tela A Batalha do Avaí. Durante esse período ele também elaborou outro plano para conseguir nova encomenda. Em 1878, escreveu a todos os presidentes de província do Brasil solicitando uma subscrição popular, encabeçada por eles, objetivando recolher fundos para a confecção de um novo quadro. A obra teria como tema uma homenagem ao Marques de Herval e teria caráter patriótico segundo as palavras do artista. (ZACCARA, 1995: 78, Volume I).
Manuel Luís Osório (Marquês de Herval) ▪ 1808—1879 ▪ Fonte: Wikimedia
Pedro Américo: O Grito do Ipiranga ▪ 415cm × 760cm ▪ Óleo sobre tela ▪ 1888 / Museu Paulista da USP, São Paulo
Durante esse período florentino Pedro Américo produziu bastante. Enviou para o Brasil onze quadros executados “durante os intervalos de meus sofrimentos físicos”. Desejava que o conjunto fosse exposto na próxima exposição da Academia Imperial de Belas Artes
Pedro Américo: A Visão de Hamlet ▪ 1893 / Pinacoteca do Estado de São Paulo
Os títulos dos trabalhos produzidos no período, que não eram resultantes de encomendas, nos indicam que a temática de Pedro Américo difere completamente daquela que o tornou conhecido: a pintura de batalhas. Neste conjunto de obras, que mais tarde foi vendido ao governo brasileiro, os assuntos abordados variam entre história, mitologia e literatura com ênfase para o Antigo Testamento. Algum tempo depois, o próprio artista vai afirmar ser o tema bíblico o seu preferido. A produção posterior a essa coleção, também vai estar significativamente mais ligada à história sagrada ou profana, a temas mitológicos e às alegorias.
O historiador e crítico de arte brasileira do século XIX Luís Gonzaga Duque Estrada, contemporâneo do pintor, já enfatizava essa falta de interesse do artista pela pintura militar justificando-a como uma espécie de oportunismo natural em um jovem pintor em início de carreira. (DUQUE ESTRADA, 1888: 111-112). A produção madura de Américo confirma a análise do historiador. A temática de batalha configura-se assim como um meio de inserção do artista no mercado de arte da época aproveitando a euforia patriótica brasileira ligada à vitória na guerra do Paraguai e que, graças a um direcionamento bem planejado através da mídia, gerou uma espantosa e rápida popularidade.
Pedro Américo: Paz e Concórdia. 1895 ▪ Museu de Arte de São Paulo