Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
(Vinicius de Morais)
Inexistem registros cronológicos e afetivos que permitam perscrutar os vácuos e abismos que se materializam entre avós, e sobremodo, pais e filhos. Os nossos antepassados, e os atuais pais convivem com minguadas proximidades afetivas que se estilhaçam e ferem os sentimentos dos que, contrariados, ingressaram em idades provectas. Homens e mulheres submetidos à ditadura do tempo, espremidos pelas insanidades corpóreas, vão celeremente caminhando nas veredas dos finais de vida perdendo os laços afetivos com os filhos.
A distância e os velozes ventos do esquecimento que sopram, já não lhes aportam à alegria de convivências familiares de outrora. Os filhos, tais como réstias arredias não se destinam a acudir com suas presenças e afagos àqueles que ainda, e tanto, aguardam ver os vultos filiais nas portas entreabertas. O silêncio de um solitário cômodo se reparte e, por vezes, se assenta num cenário de tristeza.
Os pais como exilados exalando sofreguidão e ansiosos em ter afetuosas presenças recolhem-se a uma paciente solidão. Mergulham nas suas imagens esmaecidas buscando reeditar o alvoroço e alegres alaridos que a vida duramente lhes silenciou. Tentam compreender o porquê da distancia afetiva, do que fizeram de mais ou de menos ao longo do tempo, dos filhos em suas prolongadas ausências se tornarem incapazes de se debruçar sobre o resguardo de uma herança genética e afetiva. Os pais com carinho cuidaram, protegeram, educaram, sem nunca abdicarem de suas difíceis missões e, com frequência foram submetidos ao relento afetivo.
Aos pais, com seus cabelos brancos, apenas lhes são concedidas migalhas afetivas e arredias convivências. Logo a eles, que em dias e noites insones velaram sobre as crianças com os olhares, e as mãos encardidas de afeto e de amor. Cresceram muito rápido, voaram para outros destinos e vidas, estes, os filhos, não permitiram que em outra fase das suas vidas fossem reeditados novos afetos por novas e delicadas convivências.
As paredes da casa, dos quartos, esbranquiçadas, subitamente, já não ostentam os sinais de vida infantil. Já não há mais brincadeiras, disputas, renitentes desobediências, gritos e músicas ensurdecedoras. Já não mais saboreiam sorvetes, pipocas e pudins de leite. Aos pais solitários lhes foram conferidas uma comunicação virtual e infeliz, à distancia. Lágrimas, sofrimentos, solidão, enfim, exílios são provocados pela ausência dos seus. O contentamento e o alívio silente dos filhos se projetam em rarefeitos diálogos e distantes mensagens guindadas pelas novas tecnologias, que os pais não dominam. A eles é dado quase nada. Ficam oprimidos pelo distanciamento, e apenas, sem queixas, se aquietam em seus exílios, em conversas monossilábicas. Estranhos presentes, disfarçados de cuidadores, ou mais grave ainda são relegados em asilos de velhos onde as desumanidades e a violência imperam.
Inusitado não é admitir que muitos são os velhos pais que foram, e agora são ainda confinados a dura privacidade. E que têm as suas terminais vidas marcadas pelas rugas de serem órfãos de seus filhos. Tristeza muita é saber que o exíguo tempo de vida que resta a estes pais se consome rapidamente. Os filhos não percebem e não sentem que eles estão indo embora. Eles partem finalmente sob um desejado “sursis”, aliviando-se assim de um orfanato em que nunca mereceram estar.
Pobre nação brasileira, inculta, sem educação, incursiona no mais completo desrespeito à condição humana que atinge impiedosamente os velhos, as crianças, e os pobres em geral. Somam-se as públicas incúrias, a mais completa falta de solidariedade e de proteção familiar aos elos mais frágeis da sociedade. Triste país que vive hoje a expensas do falacioso e precário “afeto virtual”, precarizando e fazendo sofrer multidões de órfãos e exilados.
“Senhor :
Que eu não fique nunca
Como esse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira
À espera de visitas que não vêm”.
(Oswald de Andrade)