...carro versus homem. Erundina, quando prefeita de São Paulo, andou cobrando um imposto - não tenho detalhes - que mexeu com a popula...

O asfalto e o jardim...

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...carro versus homem. Erundina, quando prefeita de São Paulo, andou cobrando um imposto - não tenho detalhes - que mexeu com a população do automóvel. Não pagou mais caro (até a Justiça condenou-a) em razão de sua história, da biografia que por natureza e princípio obstinadamente construiu e assentou na consciência popular. Manteve-se deputada, mesmo pagando caro a sua coerência. Há poucos dias apareceu numa pontinha, os cabelos brancos cobrindo-lhe o rosto, quase desaparecendo, entre os que perfilavam o palanque de Lula aliado de Alckmin.

Como sabem todos, na condição de pedestre, homem e automóvel tornaram-se uma só pessoa. Quase sempre o automóvel sendo mais pessoa do que o homem.

Newtown grafitti
O homem pode perder o lugar, pode-se a ele – o homem- negar espaço, tomar-lhe a vez, o que não pode acontecer com o automóvel. Um exemplo patente, bem visível: o homem podia muito bem trabalhar, atuar, exercer funções civis e públicas no edifício do Ipase, belamente construído para isso. O lugar do homem-funcionário, do homem público estava ali garantido.

Mas vem um porém: na época em que o edifício foi construído, nos fins dos anos 1940, a arquitetura ou a engenharia não tinha escolha, só tinha o homem e o seu conforto como prioridade. O automóvel era ainda artefato, um luxo, objeto de desejo muito restrito, mas artefato, máquina.
MPW
Estava ainda longe de se confundirem, incorporarem-se num mesmo indivíduo ou numa mesma entidade, tal como o pensador Alceu Amoroso Lima pressentiu temeroso, descrevendo-se, ele próprio na posse e direção do carro que voltava a ser imperial na subida a Petrópolis. O carro como extensão física do homem, aumentando-lhe a força e a sensação de poder, processo que cedo se revelou a partir de quando começamos a metonimizar pneu, óleo, freio como partes ou órgãos nossos, não só da nossa propriedade como do nosso corpo: “Veja meus pneus, / Verifique meu óleo. / Estou de freio baixo”.

O automóvel usurpou o lugar que o Renascimento tinha reservado ao homem. Na rua, na praça, na calçada, na nossa casa que, se não tiver garagem, vira ruína, como se vê nas Trincheiras; no planejamento, dentro e fora de nós, substituindo valores e comportamentos fora de moda. A grama da praça vira capoeira no centro, nos bairros mais elegantes, nas barbas do poder, sem que apareça uma limpa, um replantio; enquanto no asfalto, pequena que seja, mobiliza-se uma usina inteira para tapar uma barroca.

Ruas inteiras fechadas, um entulho como a Cardoso Vieira de hoje, de portas lacradas, de telhados no chão pela absoluta impossibilidade de estacionamento depois de construído o Terceirão.

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Não havendo lugar para o carro não há lugar para o homem e o seu comércio.

E não adianta tentar a volta a Alagoa Nova ou a Matinhas ou a São Sebastião de Lagoa de Roça. Da última vez que estive em minha terra, quando Ricardo inaugurou o novo sistema de abastecimento de água, não foi fácil atravessar a minha antiga rua de um lado para o outro.

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