Foi hoje, há 68 anos. Como bem melhor diz o povo e sem nenhum esforço para dizer: “Me lembro como se fosse hoje.” E como se fosse hoje recorro ao que transcrevi de 1996, da crônica no “Correio da Paraíba”, em meu Café Alvear, página 72 da 2ª edição:
“Encarregado da página do noticiário nacional, eu vinha acompanhando vivamente a corrente dos fatos e das falas que saíram compondo, desde a morte do repórter Nestor Moreira ao atentado a Lacerda com a morte do major Vaz, o cenário turbulento que a Tribuna da Imprensa e o coro dos demais jornais passaram a chamar de “mar de lama”.
“Encarregado da página do noticiário nacional, eu vinha acompanhando vivamente a corrente dos fatos e das falas que saíram compondo, desde a morte do repórter Nestor Moreira ao atentado a Lacerda com a morte do major Vaz, o cenário turbulento que a Tribuna da Imprensa e o coro dos demais jornais passaram a chamar de “mar de lama”.
Minha preferência era pela Mayrink Veiga por causa dos intervalos de música leve, mas o prestígio noticioso da época era da Tupy. (...) Sacrifiquei, então, a Sinfonia 3, no mais melodioso dos seus movimentos, pelas chamadas, em tom solene e grave, do repórter Doutel de Andrade.
Entre duas e três da manhã, o presidente Vargas convocava o ministério para discutir a situação. Tudo muito nervoso. Havia rumores de que as Forças Armadas ameaçavam sair às ruas. Começava a chegar os ministros, entre eles José Américo, que ocupava o Ministério da Viação, licenciado do governo da Paraíba, e a quem se atribui, naquele instante, a sugestão da licença do presidente enquanto se apurassem as acusações de que o crime da Toneleiros fora tramado nos porões do Catete. O presidente decidiu acatar a alternativa da licença, anunciando o seu afastamento. Tomou essa posição, absolutamente impensável alguns dias antes, despediu-se da sala, recolhendo-se, em seguida, à solidão que iria compor o cenário da maior tragédia política brasileira.
Desço correndo às oficinas e peço a Romeu, o impressor, que já findava de rodar as últimas quatro páginas, para frear a rotoplana. Romeu não entende, não vê autoridade em mim para o tamanho daquela ordem.
Resolvo recorrer à maior autoridade do jornal, o secretário de redação Geraldo Sobral, àquela hora nos braços da galega Luz del Fuego (era apelido) num 1º andar do cabaré da Maciel Pinheiro.
Bato na porta: Guerap, Guerap
— O que é, seu sacana!
— Getúlio pulou fora, licenciou-se, e Romeu não quer parar a máquina de impressão.
Saímos ladeira acima, Guerap de camisa aberta, sapatos frouxos, atando as calças e não parando de gritar sacana, sacana, não sei se comigo ou com o presidente.
Eu deixara a retranca pronta, levantada na caixeta, berrando de um lado a outro da página: GETÚLIO SE LICENCIA. (...)
Eu esfregava as mãos vitorioso. Acompanhara tudo, redigira à minha maneira, botara título e dera a ordem final do novo imprimatur, mesmo não sendo atendido.
Mas nem ao menos chego ao final da escada para sentir o meu jornal na rua, sou interrompido por Martinho Lemos, mascote da página esportiva, que vem subindo às pressas para a redação já com a notícia do suicídio. (...) Rodada uma nova edição, o retrato do morto tomando toda a página, deixo a rua com aquele lamento de orfandade nos ouvidos. O homem que, fazia poucas horas, não me significava mais que uma velha raposa, um feiticeiro de golpes e situações, assumia a paternidade heroica da nação.
O sol daquela hora começava a incomodar. Era noite em todos nós.”