Duvido, sem pabulagem, que até vinte anos atrás houvesse lugar desta cidade onde eu não encontrasse a quem cumprimentar pelo nome ou vice-versa.
Neste fim de semana, tive de trocar um livro com falhas de impressão (“Democracia e luta de classes”, de Lênin) e só não passei inteiramente incógnito e encandeado nas avenidas do shopping porque, já na saída, irrompeu duma loja o reparo de um amigo velho nestes exatos termos: “Oh, você está bem, ainda em cima dos pés. Mas só escrevendo sobre casa velha.”
Neste fim de semana, tive de trocar um livro com falhas de impressão (“Democracia e luta de classes”, de Lênin) e só não passei inteiramente incógnito e encandeado nas avenidas do shopping porque, já na saída, irrompeu duma loja o reparo de um amigo velho nestes exatos termos: “Oh, você está bem, ainda em cima dos pés. Mas só escrevendo sobre casa velha.”
Ri sem gostar, mas levando em conta e a sério o que de há muito venho desconfiando. Já não vejo o que acrescentar ao diapasão de uma crônica inteira ou quase inteira, quando não sobre “casas velhas” e seus ausentes, mas sobre temas e vivências nostálgicas que o tributo à aura tecnológica passou por cima.
A última leitura que fiz sobre coisas do meu antigo métier aconteceu vinte e poucos anos atrás, trazida por um filho que participara de um seminário de comunicação, o IX, promovido pelo marketing do Banco do Brasil. E me foi mortificante a leitura dessa coletânea de ensaios que me despediam do que havia aprendido até ali, fora da escola, na única atividade afinada com o meu humor ou a minha índole dispersiva. As melhores e mais experientes cabeças da imprensa brasileira não se reuniam para discutir como aperfeiçoar, melhorar um jornalismo impresso esbatido pela televisão e pela informática nascente, mas como sobreviver, como não morrer.
“A fascinação pelas novas tecnologias de informação levou as empresas jornalísticas a embarcar num processo de diversificação que foi a sua ruína” – sentenciou o grande mestre até ali, Alberto Dines. Sim, porque depois disso ele e nenhum outro teve mais o que ensinar. Era outro o manual ditado não pela experiência no trato com o leitor e o mercado, mas para o enfrentamento das novas tecnologias determinando a mais radical mudança de comportamento em todos os segmentos e classes. “O ferro velho remanescente dos tempos românticos da sociedade aberta anterior à Revolução de 1964 precisava ser eliminado. Hora do sangue novo, do jornalista jovem capaz de falar a um jovem leitor que, supostamente, estaria ansioso por uma pauta moderna” – achava Dines.
A notícia libertava-se do papel, a qualidade e o alcance da informação correspondendo ao número de celulares numa contingência em que há mais celular, mais veículo do que habitante, possa este saber ler ou não.
“O que é espírito público, hein, vô?”. E o avô já desconfiado de si mesmo: “Onde você ouviu isso? Pergunte ao Google, repare nele!”
Na verdade, o que está no Google não exige muito dos que hoje se habilitam ou se atrevem a ingressar na vida pública.
O prejuízo das grandes tiragens dos impressos, que atribuíamos ao espetáculo da televisão, chegou com ela a conciliar-se. O que a tevê informava ou dava em primeira mão, a imprensa escrita se aplicaria em apurar, esperava-se. Mas aí vem a Internet de alcance interestelar com seu número infinito de informantes e de informados.
Pensando bem, devo me benzer por ainda me restar o homizio da casa velha.