Sempre termino o percurso pelos arredores do Convento São Francisco com a alma aliviada. Naquele conjunto arquitetônico de estilo barroco composto de capelas exuberantes, largos corredores, portas e janelas abertas ao horizonte a nos envolver na silenciosa mística emanada do lugar, recolho paz no seu silêncio.
Também caminham comigo a beleza dos antigos altares e as imagens de santos esculpidas em pedra calcária distribuídas pela Igreja em Serraria, um prédio de grossas paredes e quatro pilastras estilo romana erguidas em simetria, dando sustentação ao teto. Tudo era grandiosidade e encanto aos olhos do menino. Mais de seis décadas depois, continuo a repetir os gestos quando ali chego. Ando vagaroso e olho para entender o ambiente místico do templo religioso.
No entardecer da vida, muitas vezes volto ao São Francisco e à Igreja de minha terra em busca suas paisagens.
São muitas centenas de anos que a Arte convive com o homem ou o homem busca na Arte a maneira de sobreviver. O homem se rodeia de diferentes manifestações da arte para acalmar o espírito. Primeiro gravou na pedra sinais para se comunicar e com o tempo descobriu a força dessas imagens.
Se na escultura e na pintura o homem registrou a vida desde os tempos remotos, na literatura colocou a alma em maior extensão. Deixamos o provisório para viver a dimensão da espiritualidade emanada da Arte. O Cântico dos Cânticos ganha em supremacia na revelação da alma humana. A Capela Sistina pintada por Michelangelo é a expressão suprema da Arte, assim como são os girassóis de Van Gogh.
A Arte resgata a existência humana, humaniza a vida devastada e revitaliza o prazer de viver. A arte embeleza a vida, e faz a pessoa refletir seu próprio viver na paz. A espiritualidade encontrada nas artes ajuda olhar o ponto luminoso no futuro da vida.
Na perspectiva de observar a Arte como instrumento da espiritualidade, o Cântico dos Cânticos revela a superioridade da poesia mística de conotação amorosa na construção do relacionamento entre pessoas.
Arte e espiritualidade estão interligadas. No Convento São Francisco essa interligação é visível em suas capelas, na estrutura do cáustico e no abundante verde dos jardins.
O poeta e cardeal português José Tolentino Mendonça, na revelação sobre arte e espiritualidade, assim se expressou: “A literatura, a arte ajuda-nos a perceber a importância do provisório como lugar de verdade, de autenticidade, como caminho para viver a espiritualidade”. Ele recorda que “os grandes amores são lugares de uma grande busca, mais do que fusão”.
Os caminhos da mística levam o homem à transformação da alma. O místico é um arquiteto do sentimento humano. Muitos conseguem transformar esse sentir em algo estético, vivo e profundo. O convento franciscano mostra isso.
Alguns homens são capazes de tocar a pedra e transformar a massa bruta em imponentes obras-de-arte. As esculturas dos profetas de Aleijadinho apontam essa capacidade criadora.
Para se encontrar, poetas, escritores e pintores desbravam campos áridos da alma, veredas de sertões da alma humana onde os mistérios se escondem para forjar esculturas, belas pinturas e poemas épicos.
Alguns usam como trampolins experiências pessoais, comunitárias e familiares para a produção de obras que marcam a existência humana.
Em toda a arte produzida, o artista deve buscar esse contato com o Transcendente para realizar sua obra de arte.
Mesmo que assim não se apresente, o artista é místico que busca identificar-se nas suas obras.
O místico tem um pouco de artista e o artista tem algo de místico. Ambos se nutrem de luzes que nascem da alma e nesse encontro de luzes no artista, brota a obra-de-arte.