Quando dobrei a esquina da Avenida João Machado no sentido da Rua João Amorim, mudei de lado da calçada para passar em frente da casa onde depositei os sonhos de repórter foca, na redação de A União. Parei no tempo e reduzi o passo, enquanto voltei à época quando nos anos entrantes de 1980 me encantava com o ambiente transformado em espojeiro.
Muitas outras vezes passei apressado por aquela rua, mas naquela manhã com sol ameno e esparsas nuvens, sonolentos carros a cruzar a João Machado, me deu vontade de parar à entrada da antiga casa onde funcionou o jornal. Não parei, mas olhei vagarosamente pelo portão escancarado na tentativa de rever alguns resquícios da antiga redação.
A casa passou por adaptações para atender às necessidades de acolhida da população carente de uma cidade sertaneja, a pequena área de recepção à entrada da redação, onde sentávamos, continha as mesmas características. A larga área separando a casa dos aposentos de empregados, com garagem e acomodações em primeiro andar, igualmente sem alterações.
Mesmo com o ambiente transformado para atender as necessidades de quem a adquiriu, serviu de roteiro para as paisagens reveladas no instantâneo de minha passagem por aquela rua. Talvez um minuto demorou o tempo a olhar lugar familiar, tão perto de minhas lembranças de repórter principiante, pois ali onde encontrei amigos que a profissão de jornalista proporciona cativar e que os conservo como patrimônio insubstituível.
No primeiro andar silencioso, nos fundos do quintal, aconteciam as entrevistas para as páginas dominicais do Caderno do Domingo, de muito sucesso e aguardado com expectativa, que está a exigir uma edição em forma de livro. O Caderno do Domingo recolhia depoimentos de personalidades políticas, artistas, escritores, poetas, cientistas políticos, historiadores. Nas suas páginas desfilaram nomes como José Honório Rodrigues, Francisco Welfort, Orígenes Lessa, Inácio de Loyola Brandão e tantos outros que deixaram suas opiniões.
Ao encontrar Inácio de Loyola Brandão uns trinta anos depois, falei de sua entrevista. Ele lembrou e ressaltou a acolhida pela equipe de repórteres, na qual me encontrava.
Um dos momentos marcantes dessas entrevistas foi com o ativista político Gregório Bezerra. A entrevista não foi no lugar habitual, mas na sala do editor Agnaldo Almeida, onde repórteres, a equipe de edição e o pessoal da revisão postaram-se em sofás e pelo chão para ver e ouvir o lendário comunista falar. Suas palavras ressoam como se ouvidas agora, ao passar pela calçada da casa onde ficava a redação. Ao responder a Agnaldo Almeida sobre a inutilização de um dos braços, este imediatamente respondeu: “Ainda bem que é do lado direito”.
Dois episódios me fizeram lembrar de Carlos Aranha: quando amparou em seus braços um jovem que corria baleado por furtar garrafa de uísque no supermercado próprio, ajudou a ser conduzido ao hospital. Em outra ocasião, foi quando Zé Ramalho foi agredi-lo por não concordar com seus comentários sobre show e disco que havia lançado. O compositor de Avôhai deu dois passos além do portão, em direção para o aberturar Aranha. Ouvindo o burburinho, muitos saíram da redação e a intervenção de Ferrete, com um estrondoso “o que está acontecendo”, fez o cantor recuar. Entre ambos, depois, houve reconciliação.
Estas lembranças ganharam presença durante o percurso de vinte metros enquanto atravessava a calçada da antiga redação do jornal.